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Você sabia que no DF temos mais de 2.000 pessoas desaparecidas? Famílias agonizam em buscas em todo Brasil

Decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro pretende fortalecer a procura por pessoas desaparecidas em todo o país

atualizado 22/02/2021 8:18

 

A família de Gisuane Pereira, 34 anos, não tem mais ânimo para comemorar um Natal, Páscoa ou Ano Novo. É o que relata sua irmã, a produtora rural Gislene Pereira, 37 anos. Gisuane – chamada de Gisvânia pela família – foi vista pela última vez no dia 6 de outubro de 2018. Gravações de câmeras de segurança de um posto de gasolina em Sobradinho guardam a imagem derradeira da jovem.

“A nossa família nunca mais foi a mesma”, desabafa Gislene. “Só queremos uma resposta, [ela estando] viva ou morta. A esperança é a última que morre. Eu torço para que ela esteja viva, mas minha mãe, por exemplo, já não acredita mais nisso”, admite a produtora rural.

Gislene contou que a irmã foi demitida, em 1° de outubro, do local onde trabalhou como empregada doméstica por dois anos. Ela teria ficado abatida com o ocorrido, mas nunca teve problemas psicológicos nem rixas pessoais.

Gisuane ou Gisvânia sumiu aos 34 anos, em outubro de 2018, em Sobradinho

Ainda conforme a irmã, Gisuane sempre dava notícias quando saía de casa. No dia do sumiço, por volta das 20h30, a mulher teria passado em um bar próximo à casa dela, em Sobradinho. Usava short jeans, blusa azul escura e chinelos; não portava celular nem carteira. De lá, só foi vista novamente nas imagens do circuito de TV de um posto de combustível perto de casa.

Mais pessoas encontradas

Muitos compartilham do sofrimento dos Pereira. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) somou, em 2020, 2.052 ocorrências de desaparecimento em todo o DF. Embora alto, o número representa uma queda quando comparado a 2019, durante o qual foram registrados 2.971 casos. Ou seja, de um ano para outro, o total de ocorrências desse tipo caíram 30,9%.

Os dados estão no relatório anual sobre desaparecimentos, elaborado pela SSP-DF. O levantamento revelou ainda melhora no número de casos solucionados: de 84,8% para 86,7%, na comparação de 2019 com 2020, no total de pessoas encontradas.

A grande maioria dos casos são desaparecimentos considerados voluntários: quando a vítima some por vontade própria, motivada, na maioria das vezes, por conflitos familiares, episódios de violência doméstica e uso de drogas. Já os desaparecimentos involuntários, em menores vezes, são resultados de vítimas de crimes com restrição de liberdade, acidentes ou crise psiquiátrica. Esses últimos representaram cerca de 1% de todos os casos registrados.

Um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no último dia 9 de fevereiro, pretende fortalecer a busca por pessoas que sumiram sem deixar vestígio. Um comitê será formado e responderá pelo desenvolvimento de programas de inteligência e de articulação entre órgãos de segurança pública – desde o desaparecimento até a localização da pessoa.

“São mais ou menos 10 mil pessoas desaparecidas por ano, grande parte crianças”, afirmou Bolsonaro, em vídeo publicado nas suas redes sociais para anunciar a assinatura do decreto. A seu lado estavam os ministros da Justiça, André Mendonça; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Segundo Mendonça, o decreto deve acelerar as notificações de pessoas desaparecidas e facilitar o fluxo de informações para a ação das polícias.

Em busca de um desfecho

O trabalho integrado na busca por desaparecidos em todo o território nacional pode ajudar a desvendar casos registrados no Entorno do Distrito Federal. São crimes para os quais a população pede a ajuda das autoridades da capital do país na apuração, mas que entram nas estatísticas de municípios goianos e mineiros, que integram a região.

Há quatro anos, a técnica em enfermagem Regina Jussara Ferreira Lacerda (foto em destaque), 42 anos, bate às portas de autoridades brasilienses e goianas em busca de respostas. Sua filha Thayna Ferreira Alves, à época com 21 anos, saiu de casa em Valparaíso (GO) numa tarde de fevereiro de 2017 e, desde então, não foi mais vista.

“Não sei nem a palavra para descrever o que sinto. É uma tristeza imensa. O último estágio da dor”, afirma Regina. “Dói mais do que se tivesse acontecido uma fatalidade”, completa.

A vida de Jussara passou a girar em torno da elucidação do sumiço de Thayna. O padrasto da jovem, Valdezar Cordeiro de Matos, 67, é apontado como principal suspeito e atualmente encontra-se preso.

“Não tenho esperança de encontrá-la viva, mas quero que, pelo menos, ele indique onde estão os restos mortais dela. Quero poder dar um sepultamento digno, nem que seja para enterrar só os ossos ou restos de cabelo”, disse Regina.

“Não tenho esperança de encontrá-la viva, mas quero que, pelo menos, ele indique onde estão os restos mortais dela. Quero poder dar um sepultamento digno, nem que seja para enterrar só os ossos ou restos de cabelo”, disse Regina.

Ele foi a última pessoa que esteve com a estudante. Na versão apresentada por Valdezar, Thayna pegou uma carona no veículo dele até uma parada de ônibus na passarela de Valparaíso, hipótese rechaçada pela mãe, pois a menina tinha carro e não usava transporte público.

As investigações apontam que ele não agiu sozinho e teve a ajuda de comparsas. No entanto, o fazendeiro não confessou participação no crime, não indicou o paradeiro da enteada nem onde estariam enterrados os supostos restos mortais.

“A prisão dele não é uma resposta”, ressalta a mãe de Thayna. “Quero saber onde ela está. Enquanto isso, eu tento viver cada dia: se eu cair, a coisa não vai andar. Sou eu quem tenho que ir atrás”, concluiu.

Luto contínuo

Conforme explica a psicóloga Cristina Moura, as famílias de pessoas que seguem desaparecidas não têm a oportunidade de dizer adeus aos entes queridos. “Está nisso a importância de um velório ou ritual fúnebre. Sem ele, fica-se com a sensação do não acreditar”, pontua a terapeuta.

A dor dos parentes envolvidos nesses casos, explica a especialista, não pode ser direcionada, diferentemente de situações de acidente ou assassinato. Assim, ela recomenda acompanhamento psicológico paralelo às buscas conduzidas pelos familiares.

“Ver o corpo desconstrói a ideia de que não aconteceu. [No caso de desaparecidos] É um processo de luto mais lento, quando consegue ser elaborado”, afirma. “Essa busca fica pelo resto da vida”, conclui Cristina Moura.

Adaptações: Alexandre Torres

Guará News