Professor do Colégio Militar de Brasília é afastado após criticar atuação da PM em manifestação e citar fascismo
Educador disse que corporação agiu com ‘dois pesos e duas medidas’ em ato em São Paulo, no fim de semana, e criticou manifestante de direita. Colégio abriu processo administrativo.
Por Pedro Alves, G1 DF
Um professor de geografia do Colégio Militar de Brasília (CMB), identificado como major Claudio, foi afastado das atividades após criticar a atuação da Polícia Militar em uma manifestação e fazer referência ao fascismo, durante uma aula para estudantes do 9º ano (veja vídeo acima).
Aos alunos, o educador disse que a PM agiu com “dois pesos e duas medidas” na manifestação ocorrida em São Paulo, no último domingo (31), e afirmou que a situação “remete a um fascismo, que a gente não quer mais isso no mundo”. O professor também criticou uma manifestante de direta que estava com um taco de beisebol e disse que ela era “patriota de araque” (assista abaixo).
Mulher é acompanhada por PM durante protesto na Avenida Paulista. Ela ameaçou manifestantes contra presidente Jair Bolsonaro — Foto: Reprodução/TV Globo
A aula, com transmissão pela internet, foi na terça-feira (3) e, na quarta (4), o diretor do colégio, coronel Carlos Vinícius Teixeira de Vasconcelos, anunciou que o educador havia sido afastado do trabalho docente. Ele também disse que foi aberto um processo disciplinar contra o educador.
Questionado sobre o caso nesta quinta (4), o Colégio Militar de Brasília não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.
Comentários
O educador também pediu aos alunos para “refletirem que mundo de escuridão a gente tá se metendo”. Ele fez ainda uma defesa da igualdade e uma condenação ao racismo:
“Esse mundo é de todos. Brancos, negros, índios, o que vocês quiserem, tá?”.
Leia a íntegra do trecho do vídeo com a fala do professor:
“[Os policiais são] pagos para fazer a coisa certa e não para fazer uma coisa dessas. No domingo, vocês devem ter acompanhado dois protestos: uma senhora branca, falsamente com uma bandeira do Brasil nas costas ou alguma coisa assim, patriota de araque que ela é, e com um tremendo de um taco de beisebol. Para fazer o quê?
O policial [disse]: ‘Não, minha senhora, saia daqui e tal’.Enquanto os outros manifestantes foram tratados a bombas e gás lacrimogêneo. Então, dois pesos e duas medidas, tá?
Para vocês refletirem que mundo de escuridão a gente tá se metendo. Então parece que estamos em um retrocesso, tá? E é esse o problema. Esse é o problema porque isso tudo se remete a um fascismo, que a gente não quer mais isso no mundo.
Esse mundo é de todos. Brancos, negros, índios, o que vocês quiserem, tá? [Aponta para o braço] Aqui, pessoal, parece que tem uma corzinha branca. Mas aqui tem um monte de etnias aqui misturadas, tá bom? Ainda mais se pensar que eu sou brasileiro, certo? Meu pai era gaúcho, minha mãe era carioca. Minha esposa é nordestina, né? Então eu sou um brasileiro…”
Professor que criticou violência policial durante aula no Colégio Militar de Brasília — Foto: Reprodução
Afastamento
Na quarta-feira (3), o diretor do colégio fez uma transmissão para pais de estudantes. Na live, o coronel Carlos Vinícius Teixeira de Vasconcelos anunciou o afastamento do professor da sala de aula e a abertura de processo administrativo.
Leia a íntegra da declaração do diretor do Colégio Militar sobre o caso:
“Eu gostaria de abrir rapidamente aqui um parêntese para comentar, até com o intuito de evitar boatos e especulações. Ontem aconteceu uma live aqui no Colégio Militar de Brasília, onde um professor nosso resolveu fazer uma série de comentários nessa live. Então, realmente, esse professor é nosso aqui do Colégio Militar de Brasília.
Ocorreu numa live no dia de ontem e o professor já foi afastado das aulas, da sala de aula, dessas lives. Já foi, já determinei a abertura de um processo administrativo para esclarecer essa ação e apurar responsabilidades.
Então, é só o que eu tenho a dizer com relação a esse caso, que é um caso episódico, pontual, que assim será tratado. O nosso foco tem que ser sempre o ensino, o processo de ensino e aprendizado.”
Repercussão
Após a repercussão do caso, o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) se manifestou. À reportagem, o diretor da entidade, Samuel Fernandes, defendeu a autonomia dos educadores em sala de aula.
“É papel do professor discutir as relações sociais entre os indivíduos e a igualdade de tratamento nas relações sociais. Não vivemos em uma ditadura. Mais respeito com o professor.”
Um grupo de ex-alunos da escola também divulgou uma carta em apoio ao professor. No texto, os ex-estudantes afirmam que “a educação crítica de jovens brasileiros, de acordo com os valores do próprio Colégio, passa pelo compromisso com a verdade, ainda que por vezes nos force a lidar com passados e presentes desconfortáveis”. Veja íntegra da carta abaixo: