Parque Nacional de Brasília tem maior nível de sobreposição de imóveis das unidades de conservação do país, diz WWF
Pesquisa indica que 82,76% da área está ocupada por propriedades privadas. Informações são do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 2019.
Por Walder Galvão, G1 DF
Trilha do Parque Nacional de Brasília — Foto: Acervo ICMBio
Unidades de conservação (UCs) do Brasil são pressionadas por propriedades privadas, aponta relatório inédito da World Wide Fund For Nature (WWF). De acordo com o estudo, o Parque Nacional de Brasília tem o maior nível de sobreposição do país, quando se considera a área total. Ao todo, 82,76%do perímetro do parque está sobreposto por imóveis rurais.
O estudo da WWF, divulgado em 30 de setembro, traz informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 2019. De acordo com a análise, o Parque Nacional de Brasília, que é uma UC de proteção integral, – que permite apenas o uso indireto dos recursos naturais – tem 124 imóveis rurais.
Segundo a pesquisa, a unidade da capital tem 423,56 km². Desses, 350,55 km² estão sobrepostos por imóveis. A Estação Ecológica de Uruçuí-Una, no Piauí, tem o segundo maior nível de sobreposição (81,55%).
Em seguida, está o Refúgio de Vida Silvestre das Veredas do Oeste Baiano, na Bahia (76,44%). Veja lista completa:
Alerta
O relatório da WWF alerta que, entre as análises feitas pela organização, os dados de sobreposição do CAR sobre os limites das UCs é o que requer maior atenção.
“O CAR demonstra a materialização de uma demanda formal, do ponto de vista fundiário. Mesmo que os dados ainda demandem ratificação pelos órgãos competentes e que se saiba existirem muitos erros nas informações que já puderam ser avaliadas, é impressionante o grau de sobreposição verificado”, considerou a WWF.
A pesquisa ressalta que o número de sobreposição pode diminuir “após validação das informações contidas na base do CAR”. Entretanto, segundo a WWF, os altos índices encontrados demonstram:
- Necessidade de um esforço amplo e coordenado para a regularização fundiária das UCs;
- Alto grau de pressão e questionamentos que as UCs estão sujeitas.
Ocupação
Em 2006, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que ampliou a área do Parque Nacional de Brasília. De acordo com o especialista em meio ambiente, Luiz Fernando Ferreira, professor do Centro Universitário Iesb, o aumento da ocupação do espaço abrangeu várias áreas privadas.
“Os parques nacionais são de posse e domínio público, sendo que as áreas particulares devem ser desapropriadas, de acordo com a lei. Porém, não é isso que acontece”, diz o professor.
O especialista reforça que, quando o governo cria uma UC de proteção integral, ele tem obrigação de transformar o espaço em posse de domínio público e indenizar as áreas particulares. Porém, como há falta de verba, os proprietários permanecem com o imóvel e são obrigados a obedecer as regras estabelecidas para o espaço, como promover atividades que não sejam nocivas ao local.
“No geral, essas áreas privadas acabam desenvolvendo atividades turísticas. Por exemplo, a mineração é uma atividade incompatível com o objetivo principal, que é a proteção”, aponta Ferreira.
Para o professor, não é um erro criar uma UC sem ter verba para indenizar os proprietários da área privada, mas ainda não é o ideal. Segundo ele, as pessoas podem mentir sobre a abrangência da área do imóvel, além de promover atividades irregulares, caso não ocorra afiscalização correta.
Cerrado
A pesquisa da WWF visa mostrar informações sobre redução, recategorização e extinção das UCs de proteção integral do cerrado. De acordo com o relatório, atualmente, há 3.344 propriedades privadas sobrepostas às UCs no bioma.
A reportagem entrou em contato com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para comentar o relatório, entretanto, a entidade não respondeu até esta publicação. Procurados, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do DF (DF legal) e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informaram que não respondem pelo Parque Nacional de Brasília.
Unidades de conservação
A WWF explica que as unidades de conservação são criadas para preservar a biodiversidade de um espaço, porém, evidências de estudos feitos nos Estados Unidos e nos países Amazônicos mostram que, mudanças legais generalizadas estão afetando a eficácia e existência dessas áreas. Dentre os países avaliados, o Brasil é um dos mais críticos no momento.
De acordo com a ONG, o enfraquecimento das políticas ambientais brasileiras, associado a pressões de produtores rurais, empresas de mineração, grileiros de terras, dentre outros atores, faz com que as UCs sejam “alvo recorrente de iniciativas para reduzi-las, para diminuir seu status de proteção ou mesmo excluí-las definitivamente”.
Veja para que servem as UCs, segundo a WWF:
- Mantêm a biodiversidade e conservam a vida no planeta;
- Ajudam na prevenção de novas zoonoses, como a Covid-19;
- Permitem o uso sustentável da biodiversidade, garantindo acesso para pesquisas e usufruto das populações locais;
- Abrigam paisagens para que a população tenha contato com a natureza;
- Garantem estabilidade climática e recursos hídricos para o abastecimento das cidades e da produção agrícola.
Iniciativa privada
Em 10 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) autorizou o início do processo de privatização dos parques nacionais de Brasília, no Distrito Federal, e de São Joaquim, em Santa Catarina. O decreto foi publicado no Diário Oficial da União.
Até a conclusão do processo, no entanto, as unidades seguem sob a gestão do ICMBio, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Em nota, o Ministério da Economia, que também assina o decreto, afirmou que a medida tem como objetivo o “aumento do acesso à população e a otimização do uso de recursos públicos”.
Adaptações: Alexandre Torres
Guará News