Quatro anos depois, Pelé foi eleito pelo jornal francês LEquipe como o melhor atleta do século XX (Foto: Divulgação/Fifa)
Edson Arantes do Nascimento[9] (Três Corações, 23 de outubro de 1940 — São Paulo, 29 de dezembro de 2022),[10] mais conhecido como Pelé, foi um futebolista brasileiro que atuou como atacante. Descrito como o Rei do Futebol,[2] é amplamente considerado como um dos maiores atletas de todos os tempos.[11] Em 2000, foi eleito Jogador do Século pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS) e foi um dos dois vencedores conjuntos do prêmio Melhor Jogador do Século da FIFA. Nesse mesmo ano, Pelé foi eleito Atleta do Século pelo Comitê Olímpico Internacional. De acordo com a IFFHS, Pelé é o segundo maior goleador da história do futebol em jogos oficiais,[12] marcando 765 gols em 812 partidas, e no total 1283 gols em 1363 jogos que incluem amistosos não oficiais, um recorde mundial do Guinness.[13] Durante sua carreira, chegou a ser durante um período o atleta mais bem pago do mundo.
Pelé começou a jogar pelo Santos aos quinze anos de idade, e pela Seleção Brasileira aos dezesseis. Durante sua carreira na Amarelinha, sagrou-se campeão de três edições da Copa do Mundo FIFA: 1958, 1962 e 1970, sendo o único a fazê-lo como jogador. Ele também é o maior goleador da história da Seleção Brasileira, com 77 gols em 92 jogos. Em clubes, ele é o maior artilheiro da história do Santos e os levou a várias conquistas, com destaque para duas Copas Libertadores da América e dois Mundiais Interclubes, vencidos em 1962 e 1963. Conhecido por conectar a frase “jogo bonito” ao futebol, a “ação eletrizante e a propensão a objetivos espetaculares” de Pelé fizeram dele uma estrela rapidamente, e sua equipe fez turnês internacionais, a fim de aproveitar ao máximo sua popularidade. Após se aposentar em 1977, tornou-se embaixador mundial do futebol e fez muitos trabalhos de atuação e comerciais. Em janeiro de 1995, foi nomeado ministro do esporte no governo Fernando Henrique Cardoso.[14] Em 2010, foi nomeado Presidente Honorário do New York Cosmos.
Com média de quase um gol por partida ao longo de sua carreira, Pelé era especialista em chutar a bola com qualquer um dos pés, além de antecipar os movimentos de seus oponentes em campo. Embora atuasse predominantemente como atacante, ele podia recuar e assumir um papel de meio-campista armador, fornecendo assistências com sua visão e habilidade de passe. Considerado um jogador completo, também tinha como característica a qualidade no drible para passar pelos adversários.
No Brasil, Pelé é aclamado como herói nacional por suas realizações no futebol e por seu apoio franco a políticas que melhoram as condições sociais dos pobres.[15][16] Ao longo de sua carreira e aposentadoria, recebeu vários prêmios individuais e de equipe por seu desempenho em campo, suas conquistas recordes e seu legado no esporte.
Primeiros anos
Nascido em Três Corações em 1940, Pelé teve uma rua nomeada em sua homenagem na cidade — Rua Edson Arantes do Nascimento. Uma estátua de Pelé também está localizada em uma praça no centro da cidade.
Edson Arantes do Nascimento nasceu em 23 de outubro de 1940 em Três Corações, Minas Gerais, Brasil, sendo filho do jogador João Ramos do Nascimento, mais conhecido como Dondinho, e Celeste Arantes. É o mais velho de dois irmãos. Pelé recebeu seu primeiro nome em homenagem ao inventor estadunidense Thomas Edison, de quem Dondinho era fã.[18] Seus pais decidiram remover o “i” e chamaram-no de “Edson”, mas houve um erro na certidão de nascimento, levando muitos documentos a mostrar seu nome como “Edison”, não “Edson”, como é chamado.[20] Ele foi originalmente apelidado de “Dico” por sua família.[21] Edson recebeu o apelido “Pelé” durante seu tempo de escola por conta da forma que pronunciava o nome de seu jogador favorito, o goleiro Bilé do Vasco da Gama de São Lourenço, time inspirado no homônimo carioca,[22] o qual falava de forma equivocada.[23][24][25] Pelé não gostava do apelido, e chegou a brigar com o colega de sala que inicialmente lhe atribuíra a alcunha.[26][27] Em sua autobiografia, Pelé afirmou que não tinha ideia do que o nome significava, nem seus velhos amigos. Além da afirmação de que o nome é derivado de Bilé, e que significa “milagre” em hebreu (פֶּ֫לֶא), a palavra não tem nenhum significado em português.[nota 1][28]
“Meu nome verdadeiro é Edson. Eu não inventei Pelé. Eu não queria esse nome. Pelé soa infantil em português. Edson é mais como Thomas Edison, o homem que inventou a lâmpada.”
Pelé, sobre sua recusa inicial do apelido.
Pelé cresceu na pobreza, em Bauru, no estado de São Paulo. Ele ganhava dinheiro extra trabalhando em lojas de chá. Ensinado a jogar futebol pelo seu pai, não tinha dinheiro para comprar uma bola de futebol adequada, e geralmente jogava com uma meia recheada com jornal e amarrada com uma corda ou ainda jogava com uma toranja.[29] A primeira equipe de Pelé foi o Sete de Setembro, equipe que jogava na terra batida, batizada em referência à rua que fazia esquina com a casa de Pelé.[30] Do Sete de Setembro Pelé foi para o Ameriquinha, onde calçou chuteiras pela primeira vez,[30][31] e foi campeão do Torneio Início local.[32] Com 13 anos, Pelé começou a jogar pelo “Baquinho”, equipe infantojuvenil do Bauru Atlético Clube,[33][34] que conquistou dois campeonatos infantojuvenis. Pelé era o caçula da equipe.[32] O time do Bauru apresentava uma grande superioridade sobre seus adversários: num dos jogos, chegou a ganhar de 21-0, com Pelé sendo um dos artilheiros, com sete gols. No primeiro ano de atuação, a equipe foi campeã com seis rodadas de antecipação.[33] Pelé já chamava a atenção na época, com muitos espectadores vindo aos jogos para assistir o garoto.[36] O “Baquinho” foi convidado em 1954 a se apresentar na preliminar de um jogo da segunda divisão do Campeonato Paulista, enfrentando o campeão infantojuvenil de São Paulo. O time de Bauru venceu a partida por 12-1, com cinco gols de Pelé, que foi destaque em jornal local da cidade.[30]
A equipe do “Baquinho” se desfez em 1955, e os garotos resolveram criar uma nova equipe, dessa vez para jogar futebol de salão. Deram o nome à equipe de “Radium”, em referência ao Radium Futebol Clube, da cidade de Mococa.[32][30][33] O futebol de salão tinha acabado de se tornar popular em Bauru quando Pelé começou a jogar. Ele fez parte da primeira competição de futsal na região. Pelé e sua equipe ganharam o primeiro campeonato e vários outros.[37] Pelé se destacou nesses campeonatos; a superioridade técnica do garoto sobre os demais era tamanha que a Liga de Futebol Amador determinou que Pelé só poderia atuar no gol ou na zaga. Se passasse do meio-campo com a bola, seria falta para o adversário.[34][36] De acordo com Pelé, o futsal apresentou desafios difíceis; ele disse que era muito mais rápido do que o futebol na grama e que os jogadores eram obrigados a pensar mais rápido, uma vez que todo mundo está perto de todo mundo em campo. Pelé creditou o futebol de salão por ajudá-lo a pensar melhor e mais rápido. Além disso, o futebol de salão permitiu-lhe jogar com adultos quando tinha cerca de 14 anos de idade. Em um dos torneios em que participou, foi inicialmente considerado muito jovem para jogar, mas enfim se tornou o artilheiro da competição com quatorze ou quinze gols; “isso me deu muita confiança”, afirmou posteriormente.[37]
Em 1956, Pelé recebeu uma proposta do Bangu Atlético Clube, que foi recusada por Celeste, mãe de Pelé, que não queria que ele fosse “para uma cidade grande”, em suas próprias palavras.[38] Pelé também foi convidado a jogar no Esporte Clube Noroeste, de Bauru. Waldemar de Brito, seu técnico no Bauru Atlético Clube, se opôs a ideia, com receio que Pelé se lesionasse jogando pelo Noroeste. Brito sugeriu então a ida ao Santos Futebol Clube. A mãe de Pelé inicialmente era contra a ideia, já que não desejava que Pelé se tornasse um jogador de futebol; ela acabou sendo convencida, e Pelé foi com Brito para a cidade de Santos.[38]
Carreira em clubes
Santos
Em 1956, Brito levou Pelé para a cidade de Santos para experimentar jogar para o time profissional Santos Futebol Clube, dizendo à administração do Santos que o jovem de quinze anos seria “o maior jogador de futebol do mundo”.[39] Pelé impressionou o treinador do Santos, Luís Alonso Pérez (Lula) no Estádio Urbano Caldeira, e assinou um contrato profissional com o clube em junho de 1956. Pelo contrato, Pelé recebia um salário de seis mil cruzeiros, valor que enviava para sua mãe.[41] Pelé inicialmente atuou na equipe amadora do Santos, marcando 13 gols em 13 jogos.[42] Ele fez a sua estreia profissional em 7 de setembro de 1956, com quinze anos, contra o Corinthians de Santo André e teve um bom desempenho em uma vitória de 7 a 1, marcando o primeiro gol de sua carreira profissional durante a partida.[43] Zaluar, goleiro do Corinthians, mandou fazer um cartão de apresentação após se aposentar e começar a trabalhar como corretor, no qual se identificava como “goleiro do primeiro gol de Pelé”.[44][45]
Pelé nos Países Baixos com o time do Santos, em outubro de 1962
Pelé iniciou a temporada de 1957 na reserva, por ser considerado ainda muito jovem,[22] e por ter como concorrente na posição Emmanuele Del Vecchio, principal referência no ataque santista.[46] Mesmo atuando na reserva, Pelé chamou a atenção de dirigentes gaúchos no início do ano, quando o Santos visitou o Rio Grande do Sul. O Brasil de Pelotas tentou trocar seu atacante Joaquinzinho por Pelé, o que foi negado pelo treinador santista.[47][48] Já o Grêmio chegou a consultar o Santos sobre a possibilidade de empréstimo de Pelé.[49]
Pelé começou a se destacar nacionalmente no Torneio Rio-São Paulo de 1957. Neste, foi o artilheiro da equipe, junto com Dorval, não obstante ter entrado como reserva em mais da metade das partidas disputadas.[50] No início de junho, Pelé contava contava com 30 jogos e 18 gols, entre partidas amistosas e oficiais.[22] Nesse mês, o Santos formou com o Vasco da Gama um combinado para disputar o Torneio Internacional do Morumbi, organizado pelo São Paulo para ajudar na construção do seu estádio.[51] Como os jogos do combinado seriam no Maracanã, optou-se por se utilizar a camisa vascaína.[51] Na primeira partida, contra o português Belenenses, Pelé marca três gols na goleada por 6-1.[45] Pelé ainda marcaria um gol na partida seguinte, contra o Flamengo,[52] e outro gol na última partida do combinado, contra o São Paulo,[53] totalizando cinco gols em três partidas.[51] As atuações do jogador foram elogiadas pela imprensa, que vaticinava o “nascimento do futuro craque da Seleção”, e chamaram a atenção do treinador da Seleção Brasileira de Futebol, Sylvio Pirillo.[51][54] Um mês depois de finalizado o torneio, Pelé foi convocado pela primeira vez para a Seleção,[51] tendo apenas dez meses de carreira.[55] As atuações do jogador também chamaram atenção do Vasco, que tentou sem sucesso contratá-lo por duas vezes naquele ano.[56]
Curiosamente, Pelé por diversas vezes já se declarou vascaíno. Em 1967, quando ainda atuava pelo Santos, afirmou que o Vasco era seu time de coração, em entrevista para o Museu da Imagem e do Som.[22][57] Em entrevista em 1977, declarou que “o time do meu coração sempre foi o Vasco”.[51][58] Em 2020, ao ser questionado se era vascaíno, Pelé afirmou: “Fui não, sou Vasco ainda”.[59] Em 2021, Pelé foi agraciado com o título de sócio honorário do Vasco.[60][61]
Com a convocação a Seleção e a venda de Del Vecchio ao Verona, Pelé consolidou sua posição como titular no ataque santista,[46] assumindo a camisa de número 10.[62] Alçado a posição de titular, Pelé se sagrou artilheiro do Campeonato Paulista de 1957, com 17 gols — a primeira artilharia de um total onze na competição, recorde até hoje não batido.[63] Pelé seria o artilheiro do Santos no ano, com 57 gols marcados.[63]
“Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento.”
—Nelson Rodrigues,
A realeza de Pelé.
[64]
Em 1958, o primeiro torneio oficial disputado pelo Santos foi o Torneio Rio-São Paulo de 1958, no qual a equipe ficou apenas na 7ª posição. Pelé foi o artilheiro da equipe, junto com Pepe, com oito gols.[65] Nesse torneio, Pelé teve atuação destacada em partida contra o America, o que lhe rendeu a alcunha de “Rei”, que levaria para o resto da carreira. O confronto foi vencido pelo Santos por 5-3, com quatro gols marcados por Pelé. A atuação do jogador impressionou o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que se encontrava no Maracanã assistindo ao jogo. Rodrigues escreveu uma crônica em homenagem a Pelé, chamada “A realeza de Pelé“. Nela, o dramaturgo escreveu que “Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés”.[64] Se referindo ainda ao complexo de vira-lata e a Copa do Mundo de 1958, que viria a se realizar nos meses seguintes na Suécia, Nelson Rodrigues afirma: “Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”.[66]
Nesse ano Pelé conquistaria seu primeiro grande título com o Santos, com a conquista do Campeonato Paulista. Pelé iria terminar o torneio como artilheiro da competição com 58 gols,[67] um recorde que permanece até hoje. Ele calcula que tenha jogado mais de cem partidas naquele ano, entre Santos, seleção brasileira e o time do Exército.[68] Pelé marcou 80 gols em 1958,[69] chegando ao seu 100º gol durante o Campeonato Paulista.[70] Suas atuações nesse ano lhe renderam o interesse da italiana Inter de Milão, que tentou contratá-lo; o negócio acabou não avançando em razão da revolta dos torcedores com a possível saída do jogador.[55]
No ano seguinte, o Santos fez uma grande excursão pela América, visitando 7 diferentes países da América do Sul, Central e do Norte.[71] Foram 14 partidas disputas por Pelé, com 15 gols.[71] Na primeira partida da excursão, contra o peruano Sport Boys, Pelé marcou seu primeiro gol fora do Brasil com a camisa santista — ele marcaria ainda outro gol na vitória por 3-0.[71][72] Em toda a sua carreira pelo Santos, Pelé marcaria 361 gols no estrangeiro, com média superior a um gol por jogo.[73] Após voltar ao Brasil e disputar alguns amistosos, a equipe faturou o Torneio Rio–São Paulo com um triunfo por 3 a 0 sobre o Vasco da Gama.[74] Pelé foi o vice-artilheiro do Santos na competição, com 6 gols em 7 jogos.[75]
Terminado o torneio, o Santos partiu para outra excursão, dessa vez para a Europa. A excursão passou por 9 países, com 22 jogos num intervalo de 44 dias; uma média de uma partida a cada dois dias.[76] Pelé foi um grande destaque na excursão, sendo o artilheiro santista, com com 28 gols em 22 jogos.[76][77] Dentre suas atuações, destacam-se seu gol na derrota de 3-2 contra a Inter de Milão, no qual driblou quatro adversários antes de finalizar, e as goleadas de 7-1 sobre a mesma Inter, com quatro gols de Pelé, e 5-1 contra o Barcelona, com dois gols de Pelé.[76] Na goleada sobre a Inter, Pelé foi aplaudido de pé pela torcida adversária.[78] Suas atuações despertaram o interesse da Inter, que chegou a sondar o Santos, que recusou o negócio.[78] Durante a viagem, Pelé marcou seu gol 200º, na vitória de 6-0 sobre o Hamburgo.[70] O jogo mais aguardado da excursão era contra o Real Madrid, tetracampeão europeu[79] e com uma equipe considerada uma das melhores de todos os tempos.[80] A partida terminou com vitória madrilenha por 5-3.[79] Pelé marcou o primeiro gol da partida, e foi elogiado pelo treinador do Real Madrid, Luis Carniglia.[81] O então presidente do clube merengue, Santiago Bernabéu, visitou Pelé após a partida, e cogitou sua contratação, mas acabou desistindo por considerá-lo jovem demais.[79][82] Segundo parte da imprensa europeia, o Real Madrid tentaria contratar Pelé ainda no final daquele ano, para substituir Raymond Kopa. A venda nunca se concretizou; o dirigente merengue Raimundo Saporta afirmou anos depois que Real Madrid e Santos chegaram a firmar cláusula de venda, que nunca foi acionada.[46]
Após voltar da Europa, o Santos disputou o Campeonato Paulista. O ataque santista marcou 155 gols nesse campeonato, recorde que se mantém até hoje, com Pelé marcando 46 gols e conquistando a artilharia pela terceira vez seguida.[83] Santos e Palmeiras terminaram o campeonato empatados, e foi decidido que o critério de desempate seria a realização de três partidas entre eles. Após dois empates, a vitória palmeirense no último jogo selou o campeonato do Palmeiras, ficando o Santos com o vice-campeonato.[84] Durante o Campeonato Paulista, Pelé marcou o gol que considera como o mais memorável de sua carreira, no Estádio Conde Rodolfo Crespi, em partida contra o Clube Atlético Juventus, em 2 de agosto. No lance, ao receber um lançamento de um companheiro, Pelé aplicou, de costas, uma meia lua em seu marcador, sem deixar a bola tocar no chão, e na sequência chapelou três adversários, incluindo o goleiro, concluindo o lance sem deixar a bola cair.[85] Como não há imagens de vídeo do jogo, Pelé pediu que uma animação de computador fosse feita com esta finalidade específica.[86] Cinco décadas depois, uma placa foi colocada no estádio em homenagem ao lance.[85] Durante o torneio, Pelé também atuou como goleiro, na vitória de 4-2 sobre o Comercial Futebol Clube. Aos 19 minutos do segundo tempo, o goleiro Lalá se lesionou, sendo substituído por Pelé.[87] Segundo o jornal Folha de São Paulo, Pelé — que não foi vazado enquanto atuando como goleiro — efetuou “cinco defesas que podem ser consideradas difíceis, principalmente para quem não é goleiro”.[88] O jogador tinha o costume de jogar como arqueiro nos “rachões” da equipe, tendo atuando mais três vezes ao longo da carreira como goleiro — não sofrendo gols em nenhuma delas.[87][88][89]
No final do ano, o Santos iniciou a disputa da Taça Brasil de 1959. Por ser o atual campeão paulista, a equipe entrava na disputa já nas semifinais da competição.[90] O clube santista eliminou o Grêmio nas semifinais, enfrentando o Bahia na final, em uma melhor de três. Na primeira partida, disputada na Vila Belmiro, vitória do Bahia, por 3-2. Pelé marcou um dos gols do Santos.[90] O Santos venceu a segunda partida, na Fonte Nova, por 2-0, novamente com um gol de Pelé.[90] Pelé se lesionou antes da derradeira e última partida, após torcer o pé durante o treino. Pai Santana, na época massagista do Bahia, famoso por seus “trabalhos espirituais” que supostamente favoreciam sua equipe e prejudicavam os adversários, afirma ter feito um “trabalho” para retirar Pelé do jogo final. Questionado se não tinha remorso de supostamente ter feito Pelé torcer o pé, Pai Santana afirmou: “Não. Ele chateava muito a gente. Ele ganhava tudo! Então tinha que torcer [o pé] mesmo”.[91] O Bahia venceu o Santos por 3-1, no Maracanã, e sagrou-se campeão brasileiro de 1959.[90]
Em 1960, o Santos voltou a excursionar na Europa, disputando 18 jogos em sete países.[92][93] Pelé foi o artilheiro santista na excursão, com 24 gols.[92] Durante a excursão, o Santos venceu o Troféu Gialorosso, ao bater a equipe da Roma por 3-2, com um gol de Pelé,[94][95] e o Torneio de Paris, derrotando o Stade de Reims e o Racing Club de France. Pelé marcou em ambos os jogos,[96][97] destacando-se seu gol na partida contra o Stade de Reims, no qual driblou cinco adversários antes de tocar na saída do goleiro adversário.[98] Terminada a excursão, o Santos voltou ao Brasil para disputar o Campeonato Paulista de Futebol, o qual viria a conquistar. Pelé marcou 34 gols na campanha, se sagrando o artilheiro do torneio.[99] Pelé também foi o artilheiro do Santos no ano, com 61 gols.[100]
“Neste campo, no dia 5 de março de 1961, Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã.”
— Placa celebrando o gol de Pelé contra o Fluminense, no Maracanã.
[101]
O ano de 1961 foi uma temporada extremamente prolífica para Pelé, que marcou 110 gols.[102] No início do ano, o Santos rodou a América, disputando 13 partidas em cinco países diferentes. Pelé foi o vice-artilheiro da equipe, com 10 gols.[103] Durante a excursão, a equipe conquistou o Torneio Triangular da Costa Rica, goleando as equipes do Deportivo Saprissa e Club Sport Herediano, com gol de Pelé em ambos as partidas,[104][105] e o Torneio Pentagonal de Guadalajara.[106][107] Na volta ao Brasil, a equipe disputou o Torneio Rio-São Paulo, ficando em 5º lugar; Pelé foi o vice-artilheiro santista, com oito gols.[108] Nesse torneio, Pelé marcou um dos seus gols mais famosos, contra o Fluminense, no Maracanã: recebeu a bola na entrada da sua própria área, e correu o comprimento do campo, driblando seis adversários, antes de chutar a bola, além do goleiro.[109][110] Uma placa foi encomendada com uma dedicação para “o gol mais bonito da história do Maracanã”, dando origem à expressão “gol de placa”,[110] que viraria sinônimo de um gol espetacular.[101]
Terminado o torneio, o Santos voltou a excursionar, dessa vez pela Europa, disputando 19 jogos em 7 países. Pelé foi o artilheiro da excursão, junto com Coutinho, ambos com 22 gols.[112] Nessa viagem, o Santos perdeu de 2-1 para o Olympiacos; o feito do clube grego acabou sendo imortalizado em seu hino, que cita o “Santos de Pelé”.[113][114][115] Voltando ao Brasil, o Santos viria a conquistar novamente o Campeonato Paulista e pela primeira vez a Taça Brasil,[102][116] que posteriormente foi reconhecida pela CBF como um Campeonato Brasileiro.[117] Pelé foi o artilheiro de ambas as competições, com 47 gols no Paulista[118] e sete gols na Taça Brasil.[119] O título da Taça Brasil qualificou o Santos para a disputa da Copa Libertadores da América no ano seguinte.[120][121] Enquanto disputava os dois torneios, o Santos ainda viajou a Argentina e ao Chile, disputando quatro jogos. Pelé foi o artilheiro da excursão, com cinco gols.[122]
As grandes atuações de Pelé em 1961 fizeram com que o jogador fosse disputado pelas italianas Inter, Juventus e Milan; ambas ofereceram 600 milhões de liras pelo jogador, valor recorde para a época — a transferência mais cara até então teve como quantia 250 milhões de liras. As três propostas foram recusadas pelo Santos; segundo o jornal italiano La Repubblica, Angelo Moratti, presidente da Inter, pretendia fazer uma oferta superior aos 600 milhões, mas ficou receoso da reação da sociedade italiana diante de tal valor. Se uma das propostas tivesse sido aceita, teria sido até os dias atuais a maior valorização entre os recordes de transferência — crescimento de 140%.[123] O assédio desses clubes pela contratação de Pelé incomodou o então Presidente da República Jânio Quadros. Ele externou sua preocupação em um bilhete endereçado com urgência a João Mendonça Falcão, presidente do Conselho Nacional de Desportos, afirmando que lhe preocupava “a reiterada contratação de futebolistas brasileiros por clubes estrangeiros”, apontando que os europeus desejavam “importar Pelé”. Para o então Presidente, esse processo levaria a um “enfraquecimento da seleção campeã”; terminava o bilhete afirmando que aguardava providências de Falcão.[124] A solução engendrada por Jânio Quadros foi declarar Pelé um “tesouro nacional”, e com isso impedir sua ida ao exterior.[29][125] O ato do Presidente foi objeto de críticas na época, que apontavam a inconstitucionalidade de se privar Pelé de seus direitos constitucionais.[126]
Em 1962, o Santos iniciou a temporada excursionando pela América do Sul, visitando Equador, Peru, Uruguai e Argentina.[127][128] Na Argentina, o Alvinegro disputou o Triangular de Buenos Aires, goleando o Racing, que era o atual campeão argentino, por 8-3, com um tento de Pelé.[127] A equipe disputou 10 jogos, e Pelé marcou 8 gols, incluindo um triplete contra a equatoriana LDU.[127][128] Segundo a imprensa brasileira, a presença de Pelé em Guayaquil, no Equador, causou tamanho frenesi na torcida local que a marinha equatoriana destacou uma patrulha para protegê-lo.[128]
Esse ano viria a ser a temporada de maior sucesso do Santos na Copa Libertadores; a equipe foi sorteada para o Grupo Um, ao lado de Cerro Porteño, Deportivo Municipal Bolívia, vencendo todos os jogos de seu grupo, com exceção de um (um empate em 1 a 1 fora de casa contra o Cerro). O Santos derrotou o Universidad Católica na semifinal e enfrentou o campeão de 1961, o Peñarol, na final. Pelé marcou dois gols na partida do playoff, para garantir o primeiro título de um clube Brasileiro.[carece de fontes] Durante a competição, Pelé ainda se recuperava da lesão que o tirara da Copa do Mundo de 1962, razão pela qual não atuou em diversos jogos da fase final. Pelé marcaria um total de quatro gols no torneio.[130][131]
“Cheguei na esperança de parar um grande homem, mas eu fui embora convencido de que eu tinha sido desfeito por alguém que não nasceu no mesmo planeta como o resto de nós.”
Terminada a Libertadores, o Santos enfrentou o Benfica pela Copa Intercontinental de 1962.[133] Segundo o regulamento da competição, o título seria disputado em duas partidas; no caso de uma vitória para cada clube, uma terceira partida seria disputada para se decidir o campeão.[134] Pelé foi figura fundamental na conquista do título inédito: marcou dois gols na vitória de 3-2 no Maracanã e um triplete na vitória de 5-2 em Lisboa.[135][136] O seu gol segundo gol na partida foi considerado o mais bonito daquele confronto: Pelé driblou cinco jogadores, incluindo o goleiro, antes de finalizar.[137] A atuação de Pelé foi destacada pela imprensa brasileira e portuguesa: o brasileiro Gazeta Esportiva inseriu a legenda “não há nem pode haver melhor” sobre a foto de Pelé,[138] e o português A Bola, ao sintetizar as razões da derrota benfiquista, afirmou em sua manchete: “todas as razões e mais uma, de quatro letras: PELÉ”.[134] A partida em Lisboa seria considerada por Pelé como sua maior atuação na carreira,[139] e a atuação coletiva do Santos como a melhor da história do clube.[134][140] Sobre o desempenho santista, o ex-meia do Benfica José Augusto afirmou sua equipe foi “atropelada” e que os jogadores do Santos estavam “inspiradíssimos”, elegendo ainda a equipe brasileira como a melhor que o Benfica enfrentou em sua história.[137]
Aproveitando que já se encontrava na Europa, o Santos iniciou uma mini-excursão pelo continente, visitando três países em cinco cinco dias. Pelé foi o artilheiro santista, com cinco gols em três jogos.[141] Na volta ao Brasil, o clube viria a defender com sucesso o Campeonato Paulista. Pelé marcou 37 gols no torneio, e nele marcou seu gol de número 500, no empate por 3 a 3 entre Santos e São Paulo.[142] No final do ano, a equipe disputou a Taça Brasil, entrando diretamente nas semifinais, por ter sido o campeão do ano anterior. Após um empate e uma vitória sobre o Sport, o Santos se classificou para a final que, por falta de calendário, foi disputada em 1963.[143] A final, disputada contra o Botafogo, era aguardada com muita ansiedade, já que Santos e Botafogo formavam a base da seleção brasileira campeã mundial naquele ano[144][145] — estiveram em campo 11 jogadores que atuaram na Copa do Mundo.[146] O confronto foi denominado pela imprensa de “maior jogo do mundo”.[143][144][147] No primeiro jogo, vitória santista por 4-3, no Pacaembu; no segundo jogo, no Maracanã, vitória botafoguense, por 3-1.[143][144] O terceiro e derradeiro confronto foi novamente disputado no Maracanã, e o Santos teve uma grande atuação, vencendo por 5-0, com dois gols de Pelé e se sagrando campeão.[143][144] A exibição santista foi aplaudida pelos torcedores botafoguenses presentes no estádio.[146] Ainda em 1962, Real Madrid, Juventus e Manchester United tentaram, sem sucesso, a contratação de Pelé.[148]
Após a conquista da Taça Brasil, no início de 1963, o Santos iniciou o ano fazendo uma pequena excursão no Chile e no Peru, disputando cinco jogos com equipes locais. Pelé foi o artilheiro da excursão, marcando dez gols.[149] Voltando ao Brasil, a equipe venceu o Torneio Rio-São Paulo de 1963. Pelé teve grande atuação na competição: marcou em 8 de 9 jogos, com duas tripletas (São Paulo 2-6 Santos e Santos 5-1 Olaria), marcando ainda um gol na final contra o Flamengo, sagrando-se o artilheiro do torneio, com 14 gols.[150] Finalizado o torneio, o Santos voltou a excursionar pela Europa, disputando 10 jogos em 4 países diferentes. Pelé foi novamente o artilheiro santista, com 10 gols.[151] De volta ao solo brasileiro, a equipe iniciou a disputa do Campeonato Paulista; ao final da temporada, o Santos terminaria em 3º, com Pelé o artilheiro do torneio com 22 gols — sua sétima artilharia consecutiva do Campeonato Paulista.[152]
Como campeão da Libertadores de 1962, o Santos se qualificou automaticamente para a fase semifinal da Copa Libertadores da América de 1963.[153] O primeiro confronto do Santos seria contra o Botafogo. Antes do primeiro jogo, disputado no Pacaembu, a equipe do Botafogo entregou a Pelé um cartão de prata com os dizeres: “Ao Catedrático do Futebol. A Homenagem da Academia Botafoguense“.[153] A partida terminou empatada em 1-1, com um gol de Pelé.[153][154] Na partida seguinte, no Maracanã, o Santos exibiu uma grande atuação, goleando o Botafogo por 4-0, com três gols de Pelé.[153][154] Com sua atuação na semifinal, Pelé se tornou o primeiro jogador a marcar quatro gols nessa fase da competição, recorde que seria igualado posteriormente por Albeiro Usuriaga, em 1989, Borja em 2016 e Bruno Henrique em 2021.[155]
A final da Libertadores seria disputada contra o argentino Boca Juniors. O Santos iniciou a série final ao vencer, por 3 a 2, na primeira fase e derrotou o Boca Juniors por 2 a 1, na La Bombonera, com um gol de Pelé, sagrando-se bicampeão continental.[153][156] Com o título, o Alvinegro foi enfrentar o Milan, campeão europeu, na disputa do Mundial Interclubes de 1963. No primeiro jogo, vitória do Milan por 4-2, com os dois gols santistas marcados por Pelé. Durante a partida, Pelé, Zito e Calvet se lesionaram, e não jogaram os demais confrontos. Com uma vitória por 4-2 no segundo jogo e por 1-o no terceiro jogo, o Santos foi bicampeão mundial.[157]
O Santos iniciou o ano de 1964 disputando a Taça Brasil de 1963, que, por falta de calendário, só foi finalizada no ano seguinte.[158] Por ser campeão paulista, o Santos entrou na fase semifinal do torneio, enfrentando o Grêmio, campeão gaúcho.[158][159] A equipe avançou a final após derrotar os gaúchos por 3-1, no Estádio Olímpico, com um gol de Pelé, e por 4-3, com um tripleta de Pelé, no Pacaembu.[158] Ao final do segundo jogo, Pelé ainda iria para o gol, substituindo o goleiro Gilmar, que fora expulso.[87] A final do torneio se deu contra o Bahia, campeão baiano. Era a terceira final entre Santos e Bahia pela Taça Brasil, com um título para cada: em 1959, o Bahia fora campeão em cima do Santos; em 1961, fora o Santos campeão em cima dos baianos.[158] O Santos teve grande atuação na primeira partida, no Pacaembu, goleando o Bahia por 6-0, com dois gols de Pelé.[158][160] No jogo de volta, na Fonte Nova, nova vitória santista, por 2-0, com ambos os gols marcados por Pelé.[158] Com as vitórias, sagrou-se o Santos tricampeão brasileiro.[158][159] Sobre o título santista, o jornal A Gazeta Esportiva escreveu que o Santos fora “infinitamente superior” ao Bahia e que fez por merecer “o honroso galardão de super-campeão do Brasil”.[159] Pelé foi o artilheiro santista do torneio, com 8 gols.[158]
Terminada a Taça Brasil, o Santos excursionou pela América do Sul. Essa excursão não teve o sucesso das anteriores: o Santos sofreu duas goleadas nos dois primeiros jogos (5-1 para o Independiente, da Argentina, e 5-0 para o Peñarol, do Uruguai), recuperando-se posteriormente, com 5 vitórias em 6 jogos. Pelé marcou dois gols na excursão.[161] Nelson Rodrigues criticou as constantes excursões internacionais da equipe, afirmando que o Santos “virou saco de pancada” — em referência as goleadas sofridas para o Independiente e Penãrol — e que adquiria “o vício de perder”. Para o cronista, a equipe perdia “porque deixou de ser um time brasileiro”, transformando-se numa “equipe internacional”; afirmou que, ao seu ver, “baixou no Santos o tédio desesperador de tantas viagens”, questionando o estímulo que teria a equipe jogando contra adversários “que mudam de sotaque três vezes por semana”.[162]
“Vocês querem saber a última verdade sobre o Santos? Ei-la: — é o mais carioca dos times. Só por um equívoco crasso e ignaro nasceu em Vila Belmiro. Mas a verdade é que, por índole, por vocação, por fatalidade — ele encontra, no Maracanã, uma dimensão nova e decisiva. É ali, no colosso do Derby, que o Santos mereceu as suas aclamações mais formidáveis. A multidão só falta carregá-lo no colo e passear com Pelé na bandeja, triunfalmente.”
— Nelson Rodrigues, sobre as atuações do Santos no Maracanã.
Retornando ao Brasil, o Santos disputou o Torneio Rio-São Paulo de 1964. Em homenagem ao apoio da torcida carioca nos títulos mundiais de 1962 e 1963, na partida contra o Fluminense cada jogador da equipe santista — com exceção do goleiro Gilmar — entrou vestindo a camisa de um clube carioca. Pelé vestiu a camisa do Olaria.[163] Pelas constantes partidas no Maracanã, o Santos foi nomeado por Nelson Rodrigues como “o mais carioca dos times”; segundo ele, o clube “só por um equívoco crasso e ignaro nasceu em Vila Belmiro”, e que a torcida carioca “só falta carregá-lo no colo e passear com Pelé na bandeja, triunfalmente”; concluiria desejando que Santos conseguisse naturalizar-se carioca, o que tornaria “uma equipe imbatível e eterna.”[162] Ao final do torneio, o Santos estava empatado em pontos com o Botafogo, e o título seria decidido no melhor de três jogos. Por falta de datas, no entanto, apenas um jogo foi realizado — vitória de 3-2 do Santos, no Maracanã — declarando-se ambos campeões.[164] Pelé marcou 3 gols na competição.[164]
Após o Torneio-Rio São Paulo, o Santos se lançou novamente a um excursão internacional. Primeiro disputou três jogos na Argentina, com três vitórias e uma derrota. Pelé foi o artilheiro da equipe, com três gols.[165] Da Argentina, foi a França, para disputar o Torneio de Paris de Futebol. O Santos foi eliminado no torneio após perder por 3-1 para o Borussia Dortmund, empatando em 1-1 com o Stade de Reims na disputa de 3º lugar.[166][167] O Santos ainda disputaria um amistoso contra o Saint-Étienne (vitória por 4-3) e o Borussia Mönchengladbach, na Alemanha (vitória por 2-1). Pelé não participou dos jogos dessa excursão.[168] Em sua volta ao Brasil, a equipe iniciou a disputa do Campeonato Paulista, que viria a conquistar. Pelé foi o artilheiro da competição — sua 8.ª artilharia seguida do torneio — com 34 gols.[169] Dentre as vitórias santistas no compeonato, destacam-se os 11-0 sobre o Botafogo de Ribeirão Preto, com oito gols de Pelé, seu recorde pessoal num único jogo,[170][171] e a goleada de 7-4 contra o Corinthians, com quatro gols de Pelé e três de Coutinho — a dupla foi considerada “infernal” pelo jornal Folha de S. Paulo.[172] Curiosamente, Osvaldo Brandão era o técnico nas duas goleadas: Brandão era o técnico do Botafogo nos 11-0, e no jogo seguinte assumiu o Corinthians, perdendo de 7-4.[171]
Enquanto disputava o Campeonato Paulista, o Santos participou da Copa Libertadores da América e da Taça Brasil de 1964. Por ser o campeão do ano anterior, o Santos entrou na fase semifinal da Libertadores, enfrentando o argentino Independiente. A equipe perdeu os dois jogos, e foi eliminada. Pelé, contudido, não participou das partidas.[173] A disputa entre Santos e Independiente é rodeada de suspeitas sobre uma suposta interferência de Julio Grondona, na época presidente do Independiente, sobre a arbitragem; gravações reveladas em 2015 mostram Grondona sugerindo que o árbitro da partida, Leo Horn, e os bandeiras, teriam sido selecionados com o objetivo de ajudar a equipe argentina, que viria a ser campeã da edição daquele ano.[174][175] Na Taça Brasil, o Santos entrou nas quartas de finais, por ter sido o campeão do ano anterior. Pelé, recuperado da lesão que o tirara da Libertadores, ajudou a equipe a conquistar seu 4.º título nacional, sendo o artilheiro santista, com 7 gols.[176] O atacante teve atuação destacada no primeiro jogo da final, contra o Flamengo, marcando três dos quatro gols santistas, na vitória por 4-1.[177][178][179] Ao final da temporada, Pelé seria novamente o artilheiro da equipe, com 58 gols no total.[180]
O Santos iniciou o ano de 1965 novamente excursionando pela América do Sul. Em janeiro, a equipe venceu o Torneio Hexagonal do Chile, e Pelé foi o artilheiro santista, com seis gols em cinco jogos.[181] A partida de destaque do Torneio se deu entre a equipe santista e a Seleção Tchecoslovaca, que na época era a vice-campeã mundial. O Santos venceu a partida por 6-4, com três gols de Pelé, em disputa classificada pela imprensa chilena como “o jogo do século”.[182][183] Sobre Pelé, o jornal Terceira Hora escreveu em manchete que o jogador “é de outro mundo”.[182][183] A atuação do Santos nessa partida é considerada como uma das melhores da história do clube.[182][183]
Em fevereiro daquele ano, o clube estreava na Copa Libertadores da América de 1965, com uma goleada de 5-1 sobre a Universidad de Chile, com dois gols de Pelé.[184] A equipe avançou até as semi-finais e enfrentou o Peñarol em uma revanche da final de 1962. Depois de dois jogos, um playoff foi necessário para quebrar o empate.[185] Ao contrário de 1962, o Peñarol saiu vitorioso e eliminou o Santos por 2 a 1. Pelé seria, no entanto, o artilheiro do torneio, com oito gols.[carece de fontes] Enquanto disputava a Libertadores, o Santos participou do Torneio 4º Centenário de Caracas, sendo o campeão após uma vitória sobre uma equipe local e outra vitória sobre o Independiente da Argentina. Pelé marcou 4 gols nos 2 jogos.[186] Também durante a Copa Libertadores, a equipe participou do Torneio Rio-São Paulo, competição que ganhara em 1964. Em razão dos múltiplos torneios que participava, muitas das partidas do Rio-São Paulo foram disputadas por uma equipe santista mista ou reserva.[187] Pelé disputou apenas 6 das 9 partidas; não obstante, foi o artilheiro do torneio, com cinco gols marcados.[187] Foi nesse campeonato que Pelé marcou seu gol de número 700, na vitória por 5-2 sobre o Fluminense.[70] A equipe alvinegra ficou na 4.ª colocação do torneio.[187]
Logo após o término do Torneio Rio-São Paulo, o Santos embarcou em nova excursão, dessa vez pelo Brasil. Pelé marcou catorze gols em apenas seis partidas, tendo feito cinco gols na goleada de 9-4 sobre o Clube do Remo.[188] Durante a excursão, a equipe alvinegra foi convidada para disputar a partida inaugural do Estádio Manuel Ferreira, em Assunção, contra o Club Olimpia. A partida terminou empatada, em 2-2, com um gol de Pelé.[188] Finalizada a excursão, o Santos defendeu seu título paulista, se sagrando bicampeão do Campeonato Paulista. Pelé foi novamente o artilheiro, com 49 gols.[189] Ainda no início do Campeonato Paulista, um grupo de empresários de Maceió convidou o Santos para enfrentar o CRB, então campeão estadual, em partida cercada de expectativas pela torcida local.[190] O primeiro tempo terminou em 0 a 0, e um jogador do CRB supostamente teria provocado Pelé, questionando que “o pessoal veio ver o rei, e cadê o rei?”. No segundo tempo, o Santos marcou seis gols, com dois de Pelé, vencendo a partida por 6-0.[190]
Em agosto daquele ano, o Santos disputou o Torneio Quadrangular de Buenos Aires. Organizado pelos rivais River Plate e Boca Juniors, foram convidados para a disputa Santos e Real Madrid. O Santos venceu ambos os argentinos, e faria a final contra os espanhóis; o Real Madrid, contudo, se retirou do torneio sem maiores explicações, consagrando então o time alvinegro como o campeão.[191][192] Pelé foi o artilheiro do torneio, junto com o companheiro Coutinho e o húngaro naturalizado espanhol Puskás, todos com dois gols cada.[192] No final do ano, o Santos viria a ganhar ainda a Taça Brasil de 1965, reconhecida pela CBF em 2010 como um campeonato brasileiro.[193] Pelé marcou duas vezes no torneio; um gol no jogo de volta da semifinal contra o Palmeiras, e outro no jogo de volta da final, contra o Vasco.[194] O Santos, por ser o campeão paulista, entrava na fase final do torneio (assim como o campeão do extinto Estado da Guanabara).[195][196] A temporada de 1965 se revelaria uma temporada extremamente prolífica para Pelé, que marcou 96 gols[197] — seu terceiro melhor ano em número de gols, só atrás de 1959 e 1961.
O Santos iniciou o ano de 1966 excursionando na África e na América. Foram visitados seis países — Costa do Marfim, Argentina, El Salvador, Venezuela, Peru e Chile — e disputadas 12 partidas, com cinco vitórias, quatro empates e três derrotadas. Pelé foi o principal artilheiro da excursão, com 11 gols marcados.[198] O primeiro confronto se deu na Costa do Marfim, na cidade de Abidjan, contra a equipe Stad Club Abidjan, a atual campeã nacional.[199] A partida ficou famoso por ter sido a última disputada pelo quinteto de ataque Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, apelidado de “ataque dos sonhos”. O Santos venceu a partida por 7-1, com dois gols de Pelé.[200][201][202] O “ataque dos sonhos” marcou 314 gols entre 1960 e 1966; destes, Pelé fez 118.[200][202] Segundo Pelé, a eficiência do quinteto de ataque foi uma das razões pelas quais pode chegar aos mil gols.[202] Pelé foi recebido com pompas; um jornal local apresentou em sua capa a manchete “O Rei chegou à Abidjan”, e o público presente no estádio gritava “O Rei! O Rei!” cada vez que o jogador pegava na bola.[203] Segundo o Jornal do Brasil, Pelé chorou na chegada ao aeroporto, ao perceber a multidão que esperava para recepcioná-lo.[203] Durante a excursão, o Santos disputou com o Botafogo a Taça Círculo de Periódicos Esportivos, em Caracas, em um jogo duplo. O Botafogo foi campeão com um placar agregado de 5-1; Pelé foi o único marcador santista.[204][205]
Terminada a excursão, o Santos iniciou sua campanha no Torneio Rio-São Paulo. Pelé, que acabara de se casar com Rosemeri dos Reis Cholbi, foi liberado de participar do torneio, para aproveitar sua lua de mel.[206] O Santos viria a se sagrar campeão do torneio, em conjunto com Corinthians, Vasco e Botafogo.[206] Após a Copa do Mundo de 1966, o Santos foi convidado para disputar o Torneio de Nova York, em Nova York. A abertura do Torneio se deu com um esperado confronto entre Santos e Benfica, ambos bases de suas seleções nacionais.[207] O Santos goleou o Benfica por 4-0, com atuação destacada de Pelé; o jogador participou de dois gols dos companheiros e marcou seu próprio gol, encobrindo um dos defensores e driblando outro antes de arrematar no ângulo oposto do goleiro.[207] Após o gol, a torcida americana invadiu o campo para abraçar Pelé, que teve que abandonar o jogo para que a partida continuasse, sendo substituído por Salomão.[208] O confronto teve um público de 25.670 espectadores, recorde de público de futebol nos Estados Unidos.[208]
A vitória santista foi encarada no Brasil como um “vingança” contra Portugal, que meses antes eliminara a Seleção Brasileira na Copa do Mundo,[207][209] e uma prova de que o futebol brasileiro ainda seria o melhor do mundo.[210][211] Em terras portuguesas, a vitória do Santos também foi qualificada como uma “vingança do futebol brasileiro”.[212] Parte da imprensa brasileira ficou incomodada com as comparações entre Pelé e Eusébio, atacante da seleção portuguesa e astro do Benfica; Nelson Rodrigues afirmou, após a partida, que “os valores foram repostos na sua verdadeira hierarquia”, e que Eusébio, apesar de excelente jogador, “nada tem que chegue aos pés do gênio Pelé”.[211] Destacando a vitória, a imprensa brasileira usou de hipérboles, afirmando que Benfica fora “surrado” (Jornal do Brasil),[209] “massacrado” (A Gazeta Esportiva),[207] “arrasado”[213] e que tomara “um banho” (Jornal dos Sports).[211] Após a vitória sob o Benfica, o Santos venceu o AEK da Grécia por 1-0, sagrando-se campeão do torneio.[207]
Em 1968, o mexicano Emilio Azcárraga Vidaurreta, dono da empresa de comunicação Telesistema Mexicano e do Estádio Azteca, enviou um representante ao Brasil para tentar contratar Pelé.[214] O presidente do Santos, insatisfeito com o gesto, denunciou o representante de Azcárraga à Polícia Federal, alegando que o emissário “perturbava o esporte brasileiro”. O então ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, prometeu investigar o caso.[214] Segundo o representante de Azcárraga, a proposta teria sido feito a Pelé um ano antes, e previa sua ida ao México apenas em 1970, após a Copa do Mundo.[215]
“O ‘rei’ teve de fazer todo o trajeto — cerca de uma hora — de pé à frente do banco dianteiro do veículo. Não perdeu o sorriso e acenava para o povo que gritava e pulava de incontida satisfação por ver ali mesmo o deus negro do futebol.”
Gilberto Marques, jornalista, sobre a chegada de Pelé ao Congo.
No início de 1969, o Santos excursionou na África, jogando em seis países africanos.[216][217] A primeira etapa da viagem se deu em Pointe-Noire, na República do Congo.[216][218] O deslocamento da equipe santista do aeroporto ao hotel serviu como um desfile de Pelé, que seguiu sozinho em um carro conversível, enquanto o resto da delegação seguia em um ônibus.[219][218] Segundo Gilberto Marques, único jornalista brasileiro a cobrir a excursão,[218] a presença de Pelé provocava uma “euforia quase inacreditável” no público.[219] Em Pointe-Noire o Santos jogaria contra um combinado da província da cidade, em partida que foi apelidada pela imprensa local como “o jogo do século”.[218] O Santos venceu o confronto por 3-0, com um gol de Pelé, que foi muito aplaudido por sua atuação;[220] o público foi de trinta mil espectadores, quase metade da população de oitenta mil habitantes.[218]
A partida seguinte ocorreu em Brazavile, capital do Congo, em confronto com a seleção nacional. O primeiro tempo terminou em 2-0 para os locais; no segundo tempo, Pelé marcou uma tripleta, garantindo a vitória santista.[218] Após mais uma vitória brasileira, dessa vez sobre a equipe reserva da seleção congolesa, o Santos voltou a enfrentar a seleção principal do país.[216] Nessa partida, Pelé fez dois gols, o que não evitou a primeira derrota santista contra uma equipe africana, terminando o placar em 3-2 para a seleção do Congo.[216] Segundo o meio campista santista Lima, os jogadores congoleses “se jogavam no chão” e “choravam” pelo resultado;[218] já o jornalista Gilberto Marques escreveu que a vitória resultou no “maior carnaval da história” da capital do Congo, descrevendo o ocorrido como um episódio de “histeria coletiva“.[221] Em homenagem à vitória, o dia da partida — 23 de janeiro — foi declarado Dia Nacional do Esporte, feriado em todo o país.[218]
O Santos continuou sua excursão, indo então para a Nigéria, país que se encontrava envolto em uma guerra civil.[218] A excursão inicialmente não passaria pela Nigéria; o acordo para jogar no país ocorreu quando o Santos já estava em solo africano, disputando os jogos em Brazavile.[222] Segundo o antropólogo José Paulo Florenzano, o governo militar do general Yakubu Gowon teria utilizado a equipe santista como uma “propaganda de guerra”, para transmitir à opinião pública nacional e internacional que a situação estava sob controle, apesar da guerra civil.[222] A partida foi cercada por muita expectativa e interesse, com a imprensa local noticiando o confronto como “o maior acontecimento esportivo dos últimos anos”.[222] O adversário enfrentado era a Seleção Nigeriana, e a partida terminou empatada em 2-2, com dois gols de Pelé, que teve “ótima atuação”, segundoe Gilberto Marques.[222]
Da Nigéria o Santos partiu para Moçambique, voltando então para a Nigéria.[217][222] A partida, contra a Seleção do Estado do Centro Oeste, seria realizada em Benin. Como Benin se encontrava na fronteira da região separista de Biafra, um cessar-fogo teria sido negociado entre a Nigéria e as forças separatistas para que o confronto pudesse ocorrer.[223] O suposto cessar-fogo não foi noticiado pela imprensa brasileira na época, sendo mencionado apenas mais de trinta anos depois, em matéria da revista Placar por ocasião do quinquagenário de Pelé em 1990.[223][224] Declarações de alguns jogadores do Santos confirmariam o ocorrido: o goleiro Gilmar e o atacante Coutinho afirmam que tão logo o avião do Santos zarpara, fora possível ouvir os tiros, o que indicaria que guerra tinha reiniciado.[223] A versão acabou se popularizando, e mesmo sendo divulgada pela imprensa internacional;[225] a revista Time chegou a afirmar em 2005 que o cessar-fogo fora de três dias.[225]
Essa versão, contudo, é contestada pelo jornalista britânico de origem nigeriana Olaojo Aiyegbayo, que afirma que dois dos principais jornais do país não mencionaram qualquer cessar-fogo em suas matérias sobre a partida.[225][226] Aiyegbayo ainda aponta que o suposto cessar-fogo não é mencionado em uma biografia de Pelé lançada em 1977, mas o evento é mencionado em outra biografia, de 2007 — muitos anos depois da matéria da revista Placar.[226] O antropólogo José Paulo Florenzano apresenta tese semelhante, argumentando que Benin estava sob domínio da Nigéria, e que a região onde decorriam os confrontos localizava-se a cerca de cento e trinta quilômetros de distância da cidade.[222] Para Florenzano, a narrativa de um cessar-fogo é ” inverossímil”.[222]
Em 1970, Pelé ameaçou sair do Santos, após notícias de que a próxima renovação contratual teria um desconto em suas luvas, em razão de um suposto débito seu com o clube.[214] Enquanto discutia sua situação contratual, seu empresário afirmou que fora procurado por dois empresários estrangeiros, que desejavam comprar seu passe em nome de um clube mexicano, de nome não revelado. Segundo Pelé, ele recebia uma proposta do México “cada 15 dias”, em suas palavras.[214] Como o suposto clube mexicano nunca foi revelado, a revista Placar chegou a questionar a veracidade da história.[214]
Em 1971, Pelé disputou sua milésima partida, em Paramaribo, capital do Suriname.[227] Até então, apenas três jogadores tinham atingido tal marca: o goleiro soviético Lev Yashin, o ponta inglês Stanley Matthews e o atacante brasileiro Arthur Friedenreich.[228] Antes da partida, Pelé recebeu diversas homenagens; em seu discurso, pede ao governador ao representante da Rainha inglesa que concedam perdão a alguns jogadores punidos pela liga local, pedido que é atendido.[227] O confronto, contra a equipe do Transvaal, terminou em 4 a 1 para o time santista, com um gol de Pelé, de pênalti.[229] O lucro do jogo foi utilizado pelos organizadores do evento para iniciar a construção de um viaduto, nomeado Pelé em homenagem ao jogador.[227]
Milésimo gol
Um dos momentos mais cultuados de sua carreira é o milésimo gol, anotado em 19 de novembro de 1969, em uma partida contra o Vasco da Gama, quando Pelé marcou a partir de um pênalti, no Estádio do Maracanã.[230] Marcado o pênalti, seu nome passou a ser gritado no Maracanã, até mesmo pela torcida vascaína.[231] Pelé chutou no canto esquerdo de Andrada, que chegou a tocar na bola, mas não conseguiu evitar o gol.[232][233] Ao cair e perceber que a bola tinha entrado, Andrada socou a grama, enquanto Pelé comemorava o gol,[234] em imagem considerada histórica.[235] Andrada permaneceu no chão por mais um tempo, e só levantou ao ser erguido por um companheiro.[232] O goleiro no dia anterior tinha manifestado o desejado de evitar o gol número mil;[232] anos mais tarde, afirmou sobre o evento que “o gol veio e em pouco tempo você vai se acostumando e você acaba o adotando como um filho”.[236]
Feito o gol, Pelé correu para a bola, beijando-a. O jogador foi cercado por jornalistas e carregado por dirigentes do Santos.[231] Pelé dedicou o gol às “crianças, “pessoas pobres” e “velhinhos cegos”.[237] O discurso foi criticado por alguns, que esperavam uma fala contra a ditadura militar brasileira, que um ano antes tinha editado o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), considerado o mais duro dos atos institucionais do regime militar.[238][237] O jogo foi suspenso por 20 minutos, e Pelé deu uma volta olímpica no estádio, com uma camisa do Vasco com número “1000” nas costas.[238]
New York Cosmos
Pelé autografando uma bola para o Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, na Casa Branca, em 1973, dois anos antes de entrar para o New York Cosmos.
Após a temporada de 1974 (19ª com o Santos), Pelé se aposentou de clubes brasileiros, embora tenha continuado a jogar ocasionalmente pelo Santos em partidas oficiais competitivas. Dois anos mais tarde, ele saiu de sua semi-aposentadoria para assinar com o New York Cosmos, da North American Soccer League (dos Estados Unidos) para a temporada de 1975.[239] Os valores do contrato são desconhecidos; em seu livro “Pelé: A importância do Futebol”, Pelé afirma que o acordado era 1 milhão de dólares por sete anos.[240] As cifras apontadas pela imprensa, contudo, são muito superiores: alguns falam em 2,8 milhões, 4,5 milhões e até 7 milhões de dólares por três anos de contrato.[240][241] Pelé era apontado na época como o atleta mais bem pago do mundo.[240][242] O contrato com o Cosmos previa ainda explorar comercialmente a imagem de Pelé. Como o time na época pertencia à Warner Communications, Pelé foi nomeado para o cargo de relações públicas da empresa.[240][243]
A ideia de contratar Pelé partiu inicialmente do inglês Clive Toye, diretor-geral do Cosmos, após conhecer o jogador em 1971. Entre 1971 e 1975, Toye tentou por diversas vezes contratar Pelé, tendo como empecilhos a resistência do governo brasileiro na saída do astro e o interesse de clubes europeus.[244][245] Para convencer Pelé e o governo brasileiro, o secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, enviou um telegrama ao chanceler brasileiro Antonio Azeredo da Silveira, pedindo ajuda para convencer Pelé, alegando que a contratação contribuiria para estreitar as relações entre os países.[246] Azeredo então entrou em contato com Pelé, que aceitou a proposta. O Cosmos anunciou oficialmente a contratação de Pelé em 10 de junho de 1975.[246] 18 dias depois, Pelé se encontraria com o presidente americano, Gerald Ford, na Casa Branca. Segundo arquivos sigilosos liberados ao público, a conversa entre Ford e Pelé girou em torno do baixo rendimento da seleção americana, e a expectativa de que Pelé poderia “estimular o futebol profissional bem como o interesse geral no esporte dentro do país”.[241][247][248]
Pelé estreou no Cosmos em 15 de junho de 1975, num empate em 2 a 2 contra o Dallas Tornado, no Downing Stadium.[242] A partida atraiu imensa atenção por todo o país: o confronto foi transmitido para trinta países pela rede CBS, uma das maiores dos Estados Unidos, e teve público de dez milhões de pessoas, um recorde para jogos de futebol na época.[242][245] Segundo o jornal New York Daily News, às 10h da manhã já se formavam filas para a compra de ingressos, que chegaram a ser vendidos quase que pelo triplo do valor por cambistas.[249] A partida foi acompanhada por 152 fotógrafos, quantidade superior ao número de fotógrafos envolvidos na posse do presidente americano Jimmy Carter, dois anos depois.[250] Pelé teve atuação destacada no jogo: fez um gol, deu uma assistência e por diversas vezes permitiu que seus companheiros ficassem cara a cara com o goleiro adversário.[242]
Apesar de já ter passado bastante de sua melhor fase, Pelé foi creditado com o aumento significativo da sensibilização e do interesse do público no esporte nos Estados Unidos.[242][251] A média de público da liga americana no ano de 1974 era de 10 mil torcedores por partida; em 1975, com Pelé, o Cosmos teve média de 34 mil torcedores por partida.[245] Durante sua primeira aparição pública em Boston, ele foi ferido por uma multidão de fãs que o cercaram e fora evacuado em uma maca.[252] Pelé marcou 37 gols e fez trinta assistências jogando pelo Cosmos.[242] Com Pelé em campo, foram quebrados três recordes de público: no dia 9 de abril de 1976, 58 128 pessoas estiveram presentes, recorde de público da liga; no dia 9 de junho de 1977, o público foi de 62 394, recorde para o futebol nos Estados Unidos; finalmente, em 14 de agosto de 1977, 77 691 pessoas estiveram presentes para o jogo que marcou o recorde de público para futebol na América do Norte.[242][245]
Em 1975, uma semana antes da Guerra Civil Libanesa, Pelé jogou um amistoso pelo clube libanês Nejmeh SC contra uma equipe de estrelas da Liga Libanesa de Futebol,[253] marcando dois gols que não foram incluídos em sua contagem oficial.[254][255] No dia do jogo, quarenta mil espectadores estavam no estádio de manhã cedo para assistir ao jogo.[253]
Na esperança de criar um mesmo tipo de sensibilização na República Dominicana, ele e a equipe do Cosmos jogaram em uma partida de exibição contra a equipe haitiana Violette AC, no Estadio Olímpico Félix Sánchez, em 3 de junho de 1976, onde mais de 25 mil fãs assistiram-no marcar um gol nos últimos segundos da partida, levando o Cosmos a uma vitória por 2 a 1.[256] Ele levou o Cosmos à conquista do campeonato estadunidense de 1977, na sua terceira e última temporada com o clube.
Em 1 de outubro de 1977, Pelé encerrou a sua carreira em uma partida de exibição entre o Cosmos e o Santos. O Santos chegou a Nova Iorque depois de derrotar o Seattle Sounders, em Nova Jérsei, por 2 a 0. A partida foi jogada na frente de uma multidão no Estádio dos Giants e foi transmitida nos Estados Unidos pelo programa Wide World of Sports, da American Broadcasting Company, bem como em todo o mundo. O pai e a esposa de Pelé assistiram à partida, bem como Muhammad Ali e Bobby Moore. Em seu discurso de despedida, Pelé pediu que o público repetisse com ele três vezes a palavra love (amor); o ato serviu de inspiração a Caetano Veloso para compor a canção “Love Love Love”.[259]
Carreira na Seleção Brasileira
Após se destacar jogando pelo combinado Vasco-Santos no Torneio Internacional do Morumbi, Pelé foi convocado pelo técnico Sylvio Pirillo para a disputa da Copa Roca (atual Superclássico das Américas), torneio disputado entre a Seleção Brasileira e a Seleção Argentina em dois jogos. Na época, com a excursão de grandes clubes brasileiros para o exterior, o técnico brasileiro encontrava dificuldades para escalar a equipe nacional. Dessa forma, Pirllo optou por convocar a maioria dos atletas do futebol paulista; entre esses, Pelé.[260][261] Pelé estreou pela seleção no primeiro jogo do confronto, em 7 de julho de 1957, no Maracanã, entrando com a camisa número 13 no segundo tempo, substituindo Del Vecchio.[261][262][263][264][265] Naquela partida, ele marcou seu primeiro gol pelo Brasil aos 16 anos e nove meses, sendo o jogador mais jovem a realizar tal feito.[266] O momento do gol foi registrado em foto, considerada histórica;[267] sobre a foto, o goleiro argentino da partida, Amadeo Carrizo, afirmou: “Agora que vejo a foto e vou me dando conta do que significou depois esse rapazinho ao futebol mundial, me assombro. Este era Pelé!”[268] O Brasil perdeu o confronto por 2 a 1.[268] A atuação de Pelé foi elogiada pelo Jornal dos Sports, que afirmou o jogador deu “alento novo aos companheiros”, emprestando “um sentido mais agressivo à vanguarda”.[268]
No segundo confronto, Pelé começou como titular, utilizando a camisa de número 8, e novamente marcou um gol. O Brasil venceu por 2-0 e foi declarado campeão.[261][263][269] A Copa Roca foi o primeiro título de internacional de Pelé, e o seu primeiro título com a Seleção Brasileira.[62][270] O jornal Estado de S. Paulo elegeu Pelé o melhor em campo, afirmando que “o atacante santista está destinado a ser um notável futebolista”.[271] O Jornal dos Sports destacou Pelé como “um dos realces da ofensiva brasileira”; seu colunista, Mário Rodrigues, afirmou que Pelé “É indicação certa para a Copa do Mundo”.[271] Pelé disputaria ainda quatro jogos pela Seleção antes da Copa do Mundo de 1958, sendo titular em três e reserva no outro.[260]
Copa do Mundo de 1958
“Pelé é obviamente infantil. Falta-lhe o necessário espírito de luta. É jovem demais para sentir as agressões e reagir com a força adequada. […] Não acho aconselhável seu aproveitamento”.
— João Carvalhaes, psicólogo, sugerindo que Pelé não integrasse o elenco que disputaria a Copa do Mundo de 1958.
[272]
Antes da convocação final a Copa do Mundo de 1958, a CBD contratou o psicólogo João Carvalhaes para submeter os atletas a testes de “avaliação de inteligência e equilíbrio psicológico”. Pelé marcou 68 de 123 pontos, o que motivou Carvalhaes a recomendar a comissão técnica que não levasse Pelé, por ser “obviamente infantil” e não possuir senso de responsabilidade suficiente para um jogo coletivo. A recomendação não foi seguida, e Pelé integrou o elenco que iria para a Suécia.[272][273][274] Sobre o ocorrido, o jogador comentou, décadas depois, que não se sentia “muito responsável” com 17 anos, e que só pensava “em jogar” e que tudo “era uma festa”; pontuou, contudo, que jogadores mais experientes da equipe, como Didi, Nílton Santos e Gilmar, “carregavam o peso”.[275]
Pelé (número 10) passa por três jogadores suecos em partida da Copa de 1958
Foi nesta Copa que Pelé começou a usar uma camisa com o número 10. Isto foi resultado de uma desorganização: os líderes da Federação Brasileira não enviaram o número das camisas dos jogadores e cabia à FIFA escolher quais então seriam usados no mundial, ficando Pelé com a número 10.[276]
Pelé foi reserva nas duas primeiras partidas do torneio, só vindo a jogar no terceiro confronto. Há versões contraditórias sobre a razão de Pelé ter iniciado a Copa na reserva. A versão mais comum afirma que com o empate em 0 a 0 contra a Inglaterra, o Brasil se viu obrigado a vencer sua terceira partida, contra a União Soviética. A necessidade de uma vitória fez com que os líderes do elenco — Bellini, Nílton Santos e Didi — se reunissem com o técnico Feola, o convencendo a escalar Pelé e Garrincha.[277][278] Já outros apontam que essa versão é fantasiosa; Pelé era titular da Seleção antes da Copa do Mundo, e só iniciou o torneio como reserva em razão de lesão que sofreu em amistoso contra o Corinthians.[279][48] Na ocasião, Pelé saiu contundido após disputar a bola com o lateral esquerdo Ari Clemente; Clemente acabou ficando conhecido posteriormente com o jogador que quase tirou Pelé da Copa do Mundo.[280] Os jornalistas Mário Filho e Ruy Castro afirmam que Pelé recebeu um pontapé de Ari; Ruy Castro escreveu que “não era sua [Ari] primeira tentativa de esquartejamento [de Pelé]”. Ari, por outro lado, afirma que não houve intenção sua no lance.[280][281] Em 2008, Pelé afirmou que a lesão foi “casual”, e que Ari “não teve intenção”.[280] Não obstante, Pelé na época pediu para não disputar a Copa, em razão da lesão, mas foi convencido a continuar com o elenco pelo massagista Mário Américo.[282]
Pelé e Garrincha foram fundamentais na vitória por 2-0: Garrincha marcou o primeiro gol, e Pelé deu assistência ao segundo gol de Vavá,[283][284] além de ter acertado uma bola na trave.[285] Ao iniciar a partida, Pelé se tornou o jogador mais jovem do torneio e, na época, o mais jovem a jogar uma Copa do Mundo.[nota 2] No jogo seguinte, Pelé foi novamente fundamental, marcando o gol da vitória sobre o País de Gales.[284] No lance, Pelé recebe um lançamento de Didi, e ao dominar a bola e perceber a marcação de um defensor, aplica-lhe um lençol, e sem deixar a bola cair, arremata de pé esquerdo no canto do goleiro.[287] O gol foi considerado o mais bonito do torneio pelo revista Placar;[287] para o jornalista Celso Unzelte, o tento foi “antológico”.[48] Segundo Pelé, ele por muito tempo considerou o gol como o mais bonito de sua carreira.[287] O gol contra o País de Gales, o primeiro de Pelé na competição, tornou-o o mais jovem goleador de tempos com dezessete anos e 239 dias.[286] Nas semifinais, nova atuação destacada: Pelé marcou três gols na vitória por 5-2 sobre a França,[284] tornando-se o mais jovem da história da Copa do Mundo a fazê-lo.[288]
Pelé chora no ombro do goleiro Gilmar após a conquista do mundial de 1958
Em 29 de junho de 1958, se tornou o jogador mais jovem a disputar a final da Copa do Mundo aos dezessete anos e 249 dias. Ele marcou dois gols nessa final quando o Brasil venceu a Suécia por 5 a 2 em Estocolmo. Seu primeiro gol, em que aplicou um chapéu num zagueiro antes de chutar para o canto da rede, foi escolhido como um dos melhores gols da história das Copas.[289] Sobre este segundo gol, o jogador sueco Sigge Parling comentaria mais tarde: “Quando Pelé marcou o quinto gol daquela final, tenho que ser sincero e dizer que aplaudi”.[290] Quando a partida terminou, Pelé desmaiou em campo e foi reanimado por Garrincha.[291] Ele então se recuperou e se emocionou pela vitória, chorando enquanto estava sendo parabenizado por seus companheiros de equipe, em imagem considerada marcante na história do torneio.[292] Ele terminou o torneio com seis gols em quatro jogos disputados, empatado em segundo lugar, atrás apenas de Just Fontaine, e foi eleito o melhor jogador jovem do torneio.[carece de fontes] Pelé também foi nomeado para a seleção do campeonato.[293] A imprensa proclamou Pelé a maior revelação da Copa e ele recebeu retroativamente a Bola de Prata como o segundo melhor jogador do torneio, atrás de Didi.[290]
Copa América
Pelé também jogou na Copa América, na época chamado de Campeonato Sul-Americano de Futebol. Na edição de 1959, ele foi eleito o melhor jogador do torneio, além de ser o artilheiro com oito gols, com o Brasil ficando em segundo lugar.[290] Ele marcou em cinco dos seis jogos do Brasil, incluindo dois gols contra o Chile e um hat-trick contra o Paraguai.[carece de fontes] O campeonato de 1959 foi a única Copa América disputada por Pelé em toda sua carreira.[294][295]
Seleção Brasileira do Exército
“Eu fiz tudo que um soldado raso tinha que fazer. Limpava coturno, engraxava, lavava roupa. Ficava até de sentinela dando autógrafos.”
— Pelé, sobre sua experiência de servir no Exército brasileiro.[296]
Em 1959, Pelé foi convocado para servir ao 6.º Grupo de Artilharia de Costa Motorizado, em Praia Grande,[296][297] como soldado.[298] Benedito Ruy Barbosa, biógrafo do jogador, acredita que a convocação de Pelé tenha se dado de forma proposital, “para chamar a atenção para o Exército e para as Forças Armadas”, em suas próprias palavras.[297] Pelé disputou várias partidas com a Seleção brasileira do Exército, e foi campeão sul-americano, marcando o gol decisivo no jogo final contra a Seleção Militar da Argentina.[298] Com a camisa do Exército, Pelé atuou em 10 partidas, marcando 14 gols.[299] Em 2010, em comemoração ao seu septuagésimo aniversário, o Exército Brasileiro homenageou o atleta, com a inauguração do “Espaço Pelé” no Museu do Desporto do Exército.[298]
Copa do Mundo de 1962
Quando a Copa do Mundo de 1962 começou, Pelé já era considerado o melhor jogador do mundo.[300][301] Na primeira partida do torneio no Chile, contra o México, Pelé foi fundamental para a vitória por 2-0: o primeiro gol veio de um lançamento seu para Zagallo, após escapar da marcação. Logo após o primeiro gol, Pelé parte com a bola da intermediária, dribla quatro adversários e conclui, de pé direito, no canto do goleiro mexicano, selando a vitória brasileira.[139][302] A Revista Placar descreveu a jogada que resultou no gol como “criativa, inteligente, maliciosa e desconcertante”.[303] O goleiro mexicano, Antonio Carbajal, anos depois se disse “feliz por ter sofrido um gol do jogador de futebol mais perfeito que já vi jogar em mais de oito décadas de vida”.[304]
Pelé se machucou no jogo seguinte enquanto tentava um chute de longa distância contra a Tchecoslováquia.[305][306] Isso o manteria fora do resto da competição e forçou o técnico Aymoré Moreira a fazer sua única mudança de escalação no torneio. O substituto foi Amarildo, que teve um bom desempenho. No entanto, foi Garrincha quem assumiu o papel de líder e levou o Brasil ao seu segundo título da Copa do Mundo, depois de vencer a Tchecoslováquia na final em Santiago.[307]
Copa do Mundo de 1966
Pelé era o jogador de futebol mais famoso do mundo durante a Copa do Mundo FIFA de 1966, realizada na Inglaterra, e o Brasil uniu alguns campeões mundiais como Garrincha, Gilmar e Djalma Santos com a adição de outras estrelas como Jairzinho, Tostão e Gérson, o que gerou grandes expectativas para eles.[308] Entretanto, foi eliminado na primeira rodada, disputando apenas três partidas.[308] A Copa do Mundo foi marcada, entre outras coisas, por faltas graves em Pelé que o deixaram ferido pelos defensores búlgaros e portugueses.[309]
“Até hoje, não conheço nenhum jogador igual a ele. Quando estava com a bola, parecia que a escondia e a gente não sabia como a tirava dele. Por isso, acabávamos por cometer muitas faltas contra o Pelé.”
João Pedro Morais, zagueiro português, explicando suas faltas sobre Pelé.
[310]
Pelé marcou o primeiro numa cobrança de falta contra a Bulgária, tornando-se o primeiro jogador a marcar em três Copas do Mundo FIFA consecutivas.[308] A partida contra a Bulgária seria a última em que Pelé e Garrincha atuariam juntos na seleção brasileira.[311] O Brasil nunca perdeu uma partida com Pelé e Garrincha em jogo[311][312][313] — foram 40 jogos disputados por eles, com 36 vitórias e quatro empates.[311]
Pelé se lesionou na partida contra a Bulgária, e não participou do segundo jogo contra a Hungria.[308] Seu treinador afirmou que, após o primeiro jogo, sentiu que “todo time tratará ele [Pelé] da mesma maneira”.[309] O Brasil perdeu o jogo e Pelé, apesar de ainda em recuperação, foi levado de volta pelo técnico brasileiro Vicente Feola para a partida crucial contra Portugal no Goodison Park, em Liverpool. Feola mudou toda a defesa, incluindo o goleiro, enquanto no meio-campo voltou à formação do primeiro jogo. Durante o jogo, o zagueiro português João Morais cometeu duas faltas seguidas sobre Pelé, que saiu de campo em razão das entradas.[310] O jogador não foi expulso pelo árbitro George McCabe, decisão vista posteriormente como um dos piores erros de arbitragem da história da Copa do Mundo.[314] João Havelange, presidente da CBD, reclamou publicamente da arbitragem do torneio, de quem chamou de “lastimável” e culpou pela violência exibida nos jogos.[315] Pelé teve que retornar e permanecer em campo mancando pelo resto do jogo, já que o time já havia feito todas as substituições possíveis.[314] Após este jogo, Pelé anunciou a intenção de não mais jogar a Copa do Mundo, segundo ele por não ter sorte no torneio — em referência às lesões naquele ano e em 1962, que o impediram de participar de todas as partidas da competição.[316] Pelé afirma que a eliminação na Copa de 1966 foi a maior tristeza de sua vida.[317] Segundo o companheiro de seleção Jairzinho, a decisão de Pelé chocou a todos os jogadores da equipe.[316] Pelé acabaria por mais tarde voltar atrás e disputar a Copa do Mundo de 1970.[300][318][319]
“Mas penso em não ir [para a Copa no México]. Não sei se foi porque eu me machuquei. Aliás, nas três Copas que estive [1958, 1962 e 1966] me machuquei. Acho que não dou muita sorte em Copa, apesar de ter ganho duas com o Brasil. Ter começado numa foi a minha vida toda, aquele começo glorioso em 58. Embora com tudo isso, acho que não tive muita sorte nas Copas. Por isso que eu tensiono não ir mais.”
Pelé, sobre sua aposentadoria das Copas do Mundo após o torneio de 1966.[320]
Copa do Mundo de 1970
“A miopia ficará pior. Há um ano, mais ou menos, percebi que Pelé já não enxergava direito. Isso explica suas más atuações no Santos e na própria seleção. Precisamos de muito mais do que meio jogador. E Pelé, como está, é meio jogador, pelo menos em partidas duras como as que teremos no México”
João Saldanha, explicando sua decisão de barrar Pelé em razão de sua miopia.
[321]
Pelé foi convocado para a seleção no início de 1969. Ele recusou a princípio, mas depois aceitou e jogou em seis partidas das eliminatórias para a Copa do Mundo, marcando seis gols.[322] Durante as Eliminatórias, Pelé teve rusgas com o então técnico da Seleção, João Saldanha. A primeira discordância entre eles se deu em razão do posicionamento do jogador em campo: Saldanha escalava Pelé em uma posição mais avançada, enquanto o jogador preferia jogar mais recuado. Em entrevista na época, Pelé afirmou que não poderia, após tanto tempo jogando de uma forma, mudar sua maneira de jogar “de uma hora para outra”.[323] Décadas mais tarde, ele afirmou que Saldanha “não entendia muito de futebol”.[324] Saldanha também acusou publicamente Pelé de ser míope, o que supostamente lhe traria dificuldades em cabecear e enxergar a bola em jogos noturnos; o técnico então colocou-o na reserva em razão do fato.[325][326] Pelé, de fato, era míope: o ex-jogador já confirmou que nasceu com a condição, e que tinha 1,5 grau na vista direta e 2,5 graus na vista esquerda, em 1970. Ele, contudo, negou que a miopia atrapalhasse seu rendimento em jogos noturnos.[327] Pelé acabou utilizando lentes de contato no final de sua carreira.[328] Faltando dois meses para a Copa do Mundo, Saldanha foi demitido, e em seu lugar foi contratado o jovem Zagallo, com apenas três anos de carreira como técnico.[326] A imprensa brasileira tratou a demissão como resultado de um processo de desgaste entre Saldanha e a CBD, amplificado pelo fato de ter colocado Pelé na reserva.[329] Saldanha também entrou em conflito com o então Presidente da República, Garrastazu Médici, mas não há documentos que comprovem a suposta interferência de Médici na Seleção Brasileira.[329]
Já esperava-se que a Copa do Mundo FIFA de 1970, realizada no México, fosse a última de Pelé. A seleção brasileira para este torneio apresentou grandes mudanças em relação à equipe de 1966. Jogadores como Garrincha, Nilton Santos, Valdir Pereira, Djalma Santos e Gilmar já haviam se aposentado. Apesar disso, a seleção brasileira da Copa do Mundo de 1970, com jogadores como Pelé, Rivellino, Jairzinho, Gérson, Carlos Alberto Torres, Tostão e Clodoaldo, é frequentemente considerada a maior equipe de futebol da história.[330][331][332] Curiosamente, essa formação não era a desejada por Zagallo; o treinador entendia que Pelé e Tostão não poderiam atuar juntos.[333] Em razão disso, Pelé inicialmente foi escalado por Zagallo na reserva, entrando apenas no 2º tempo, no lugar de Tostão.[334] A formação da Copa de 1970, na verdade, surgiu de uma votação popular feita pela revista Placar. Temeroso que a seleção fosse vaiada em seu jogo de despedida, no Maracanã, Zagallo resolveu testar a formação da pesquisa no segundo tempo da partida contra a Áustria; o Brasil ganhou por 1 a 0, e esse esquema acabou sendo utilizado por todo o torneio.[335]
“Não há dúvida, Pelé tem imã.”
Jornal mexicano “El Informador”, sobre a popularidade de Pelé em sua chegada ao México.[336]
Pelé foi muito festejado pela torcida local ao chegar no México. Milhares esperavam o desembarque da seleção no Aeroporto Internacional de Guadalajara, e Pelé foi muito aplaudido quando apareceu na porta do avião. O público lhe jogou um sombrero, vestido por Pelé, que passou a dar autógrafos por um longo período de tempo.[337] A vinda de Pelé ao México foi cercada de cuidados com sua segurança. No país mexicano circulava a informação de que o guerrilheiro venezuelano Victor Alfonso Zambrano, preso no país, tentaria sequestrar o jogador.[336] Em razão da suposta ameaça, a seleção brasileira passou a ser vigiada pela polícia mexicana. Segundo Rivellino, “tinha sempre um carro atrás da gente”; sobre Pelé, afirmou que “ele era praticamente escoltado“. No Brasil chegou-se a ser sugerido que um sósia de Pelé acompanhasse a comitiva.[336] Zambrano negou que estivesse planejando sequestrar Pelé, mas afirmou que “estudantes de esquerda realmente tiveram esta ideia”.[336]
Ao lado do treinador Zagallo em 1970. Zagallo comentou sobre Pelé: “Um garoto na Suécia [Copa de 1958] deu sinais de genialidade, e no México [Copa de 1970] cumpriu toda aquela promessa e fechou o livro com chave de ouro. E tive o privilégio de ver tudo de perto”.[338]
Durante a Copa, os cinco jogadores ofensivos Jairzinho, Pelé, Gérson, Tostão e Rivellino criaram um ataque excepcional, com Pelé tendo o protagonismo no caminho do time até a final.[339] Todos os jogos do Brasil no torneio (exceto a final) foram disputados em Guadalajara e, na primeira partida contra a Tchecoslováquia, Pelé ajudou o Brasil na vitória por 2 a 1, dando assistência ao gol de Gérson e depois marcando. Ao marcar contra a Tchecoslováquia, Pelé se tornou o único jogador, ao lado do alemão Uwe Seeler, a marcar gols em quatro edições consecutivas de Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1970). Décadas mais tarde, Miroslav Klose, Cristiano Ronaldo[340] e Lionel Messi[341] se juntariam ao seleto grupo. Ainda na partida contra a Tchecoslováquia, Pelé tentou encobrir o goleiro Ivo Viktor com um chute próximo do meio de campo, perdendo por pouco o gol. Tal lance entrou para a história das Copas como “o gol que Pelé não fez” e até os dias atuais continua sendo frequentemente lembrado pela mídia brasileira.[342][343] O Brasil venceu a partida por 4 a 1.
O jogo seguinte do Brasil foi cercado de expectativas, já que a equipe iria enfrentar a Inglaterra, então atual campeã mundial.[344] Pela força das seleções, a partida chegou a ser apelidada de “real final” do torneio.[345][346] No primeiro tempo, Jairzinho foi lançado em velocidade e cruzou a bola para Pelé, que próximo do gol, cabeceou a bola mirando o chão.[347] Certo que seu cabeceamento resultaria em gol, Pelé gritou “gol!” logo após cabecear;[348] o goleiro inglês, Gordon Banks, contudo, mergulhou de uma trave à outra e conseguiu tocar na bola, desviando-a do gol.[346][349][350][351] A defesa, pela sua dificuldade e plasticidade, ficou conhecida como “Defesa do Século“,[349][352][353] e é frequentemente apontada como a maior defesa da história do futebol.[344][345][346][347][350][354][355][356] No segundo tempo da partida, Pelé dominou um cruzamento de Tostão antes de passar a bola para Jairzinho, que marcou o único gol.[357]
Contra a Romênia, Pelé marcou dois gols, com o Brasil vencendo por um placar final de 3 a 2. Nas quartas de final contra o Peru, o Brasil venceu por 4 a 2, com ele dando o passe para Tostão no terceiro gol. Na semifinal, o Brasil enfrentou o Uruguai pela primeira vez desde a final da Copa do Mundo FIFA de 1950. Jairzinho colocou o Brasil na frente fazendo dois gols e Pelé deu o passe para Rivellino fazer o terceiro na vitória por 3 a 1. Durante essa partida, ele fez uma de suas jogadas mais famosas.[343] Tostão passou a bola para Pelé e o goleiro do Uruguai, Ladislao Mazurkiewicz, tomou conhecimento e saiu da linha para tentar pegar a bola antes dela chegar ao atacante brasileiro. No entanto, Pelé chegou primeiro e enganou Mazurkiewicz com uma um drible de corpo, não tocando na bola e deixando-a rolar a esquerda do goleiro, enquanto ele foi para a direita. Ele então correu ao redor do arqueiro para recuperar a bola e chutou para o gol, errando por pouco.[358] O lance é considerado como um dos mais bonitos e lembrados da história da Copa do Mundo.[359][360] O jogo também ficou famoso pela cotovelada de Pelé no uruguaio Dagoberto Fontes, que chegou a cambalear com a pancada.[361] O árbitro, contudo, marcou falta do uruguaio.[362] Segundo Fontes, a cotovelada fora um revide de Pelé, já que em lance anterior ele pisara na perna do brasileiro. Para o uruguaio, ter levado uma cotovelada de Pelé, “o melhor jogador do mundo”, em suas palavras, fora motivo de orgulho.[361]
O Brasil jogou contra a Itália na final no Estádio Azteca na Cidade do México.[363] Pelé marcou o primeiro gol com um cabeceamento depois de ultrapassar o zagueiro italiano Tarcisio Burgnich. Após o centésimo gol do Brasil em Copas, o salto de alegria de Pelé nos braços do companheiro de equipe Jairzinho ao comemorar o gol é considerado um dos momentos mais emblemáticos da história da Copa do Mundo.[364] Ele deu assistência ao terceiro gol, marcado por Jairzinho, e ao quarto de Carlos Alberto. O último gol do jogo é frequentemente considerado o melhor de todos dessa equipe, pois apenas dois jogadores não participaram dele. A jogada culminou em Pelé fazendo um passe às cegas que seguiu a trajetória de corrida de Carlos Alberto. Ele veio correndo por trás e chutou a bola para marcar.[365] O Brasil venceu a partida por 4 a 1, mantendo a Taça Jules Rimet indefinidamente, e Pelé recebeu a Bola de Ouro como jogador do torneio.[290][366] Burgnich, que marcou Pelé durante a final, foi citado dizendo: “Eu disse a mim mesmo antes do jogo: ‘ele é feito de pele e ossos como todo mundo’ — mas eu estava errado”.[367] Após o apito final, o zagueiro italiano Roberto Rosato correu em direção a Pelé, para lhe pedir a camisa.[368] Segundo a esposa de Rosato, o jogador tinha como sonho ter a camisa do brasileiro, e teve que disputá-la com a multidão que invadiu o campo.[369] Em 2002, a camisa foi leiloada por 157 750 libras.[370]
Despedida da Seleção
Pelé decidiu se aposentar da Seleção Brasileira em 1971. Sua despedida ocorreu em dois jogos — um em São Paulo, no Morumbi, e outro no Rio de Janeiro, no Maracanã.[371] A primeira partida se deu no Morumbi, contra a Áustria, em 11 de julho.[371] A partida terminou empatada em 1 a 1,[372][373] com o gol brasileiro marcado por Pelé — seu último gol vestindo a camisa brasileira.[371] Pelé atuou apenas no primeiro tempo, e no intervalo deu uma volta olímpica no estádio com uma coroa na cabeça, aos gritos de “Pelé, Pelé” dos torcedores.[371][372][374] O público foi estimado em mais de 110 mil pessoas.[371]
Sua última partida foi em 18 de julho de 1971 contra a Iugoslávia, no Maracanã. Como ocorrera em São Paulo, Pelé atuou apenas no primeiro tempo, e deu a volta olímpica no intervalo da partida. Enquanto corria pelo estádio, o público gritava “Fica Pelé!”.[373][374][375] Um avião sobrevoou o estádio, com uma faixa com os dizeres “Viva o Rei”.[376] Sua última atuação pela seleção teve público de 138 575 torcedores.[374] Com Pelé em campo, a equipe brasileira conseguiu 67 vitórias, catorze empates e onze derrotas.[carece de fontes] A camisa da última partida oficial de Pelé foi leiloada em 2019 por 30 mil euros (cerca de 137 500 reais).[377]
Como Pelé continuou atuando profissionalmente pelo Santos,[375] se especulou uma possível volta do jogador para a disputa da Copa do Mundo FIFA de 1974.[371][374] Pelé, no entanto, rechaçou uma volta, afirmando que seria melhor se aposentar naquele momento, “quando todo mundo quer que eu fique”, do que se aposentar posteriormente, “quando todos acharem que está na hora”.[371] Pelé ainda atuaria mais duas vezes com a camisa da seleção, em partidas não oficiais: uma em 1976, em amistoso contra o Flamengo, que teve sua renda revertida aos familiares de Geraldo Cleofas, meia do clube carioca que havia falecido no mesmo ano, e em 1990, em um amistoso contra o “Resto do Mundo”, que marcou a comemoração do seu cinquentenário.[378]
Estilo de jogo
“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”.
“No momento que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia”.
Pelé também é conhecido por conectar a frase “jogo bonito” com o futebol.[379] Um artilheiro prolífico, ele era conhecido por sua capacidade de antecipar adversários na área e acabar com chances com um tiro preciso e poderoso com o pé.[380][381][382] Pelé também era um jogador de muito treinamento e um atacante completo, com visão e inteligência excepcionais, reconhecido por seu passe preciso e capacidade de se unir aos colegas de equipe e dar assistência.[383][384][385]
Em seu início de carreira, ele jogou em uma variedade de posições de ataque. Embora ele geralmente trabalhasse dentro da grande área como um segundo atacante ou centroavante, sua ampla gama de habilidades também lhe permitia jogar em um papel mais retraído, como atacante interno ou segundo atacante, ou fora de campo.[343][383][386] Em sua carreira posterior, ele assumiu um papel mais profundo no meio de campo atrás dos atacantes, muitas vezes atuando como meia-atacante.[387][389] O estilo de jogo único de Pelé combinava velocidade, criatividade e habilidade técnica com força física, resistência e capacidade atlética. Sua excelente técnica, equilíbrio, talento, agilidade e habilidades de drible permitiram que ele vencesse adversários com a bola, e frequentemente o via usando mudanças súbitas de direção e fintas elaboradas para passar por jogadores, como seu movimento de marca registrada, o “drible da vaca“.[343][386][390] Outro de seus movimentos de assinatura foi a “paradinha”.[nota 3]
Apesar de sua estatura relativamente pequena (1,73 m)[392] ele se destacou no ar, devido à sua precisão de rumo, tempo e altitude.[381][384][390][393] Reconhecido por seus chutes, ele também foi um cobrador de faltas e pênalti, embora muitas vezes ele se abstivesse de fazer pênaltis, afirmando acreditar ser uma maneira covarde de marcar.[394][395]
Pelé também era conhecido por ser um jogador justo e altamente influente, que se destacou por sua liderança carismática e esportividade em campo. Seu caloroso abraço com Bobby Moore após o jogo contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1970 é visto como a personificação do espírito esportivo, com o The New York Times afirmando a imagem “Capturou o respeito que dois grandes jogadores tiveram um pelo outro. Como eles trocaram camisas, toques e olhares, o espírito esportivo entre eles é tudo na imagem. Nada de regozijo, nenhum bombardeio de Pelé. Nenhum desespero, nenhum derrotismo de Bobby Moore”.[396] Segundo seu companheiro de seleção Rivellino, “era impressionante a energia positiva [de Pelé]”.[336] Pelé também ganhou a reputação de ser um jogador decisivo para suas equipes, devido a sua tendência de marcar gols cruciais em partidas importantes.