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Brasilienses contam como é a vida no isolamento

Coronavírus: brasilienses contam como é a vida no isolamento

Pessoas que voltaram de países com alto número de casos de coronavírus têm ficado voluntariamente em casa para evitar um possível contágio

Brasilienses em quarentena falam da vida em isolamento no DF

ARQUIVO PESSOAL

São duas semanas sem poder sair do quarto. O tempo não passa, a vontade de abraçar a família e dar uma volta na rua aumenta, mas ainda não é possível. Essa é a rotina de brasilienses que estiveram recentemente em países que estão com número alto de casos de contaminação pelo novo coronavírus. Mais do que a consciência de resguardar a própria saúde com o distanciamento, essas pessoas evitam que a Covid-19 se espalhe ainda mais.

A advogada Larissa Borges, 27 anos, por exemplo, não sai de casa desde que voltou da Itália, que vive em quarentena, no último dia 14. Com as aulas do mestrado que ela faz sendo canceladas e o toque de recolher sendo cumprido à risca, ela se angustiou. “Lá foi tudo muito rápido. No começo, ninguém se preocupou tanto, mas nas últimas duas semanas foi um decreto atrás do outro, fechando as coisas e os casos aumentando”, conta.

O desespero maior foi quando ela ouviu o anúncio de que a cidade onde morava, Roma, fecharia o aeroporto internacional. Isso significava que ela tinha duas opções: ficar na capital italiana e enfrentar o isolamento sozinha ou correr e comprar uma passagem de volta para o Brasil. “Foram três dias sem dormir em verdadeiro pânico em busca da passagem. Eu já tinha desistido quando uma amiga brasileira minha disse que conseguiu. Fui atrás e deu certo também”, lembra.

Chegando ao Brasil, ela não recebeu orientação alguma de permanecer em isolamento, tanto no aeroporto em São Paulo como no de Brasília. Mesmo assim, ciente de que poderia ter trazido o vírus, ela decidiu, por conta própria, ficar de quarentena por 14 dias. “Estou na casa da minha mãe e tenho o privilégio de ter um quartinho com banheiro do lado de fora de casa. Não abracei ninguém desde que eu cheguei”, relata.

Mesmo considerando difícil ter que se privar de encontrar familiares e amigos, ela se diz feliz por estar saudável e mantém uma rotina para ocupar a cabeça. “As aulas do mestrado serão on-line e poderei fazer daqui mesmo. Eu dava aulas de inglês lá e continuo fazendo isso, também pela internet. Além disso faço uns exercícios, ouço música e estudo”, enumera.

O sentimento de que pode estar ajudando outras pessoas ao ficar em casa também é o que motiva Larissa a seguir em confinamento. “Não estou sofrendo, estou feliz de estar aqui no Brasil. Sinto tédio às vezes, mas com a consciência de que estou fazendo uma coisa boa”, diz.

Outra estudante que também acaba de voltar da Europa é Sílvia Garcia, 23. Formada em museologia na Universidade de Brasília (UnB), ela foi até Madri, na Espanha, para fazer mestrado. Para a sorte dela, ao contrário de Larissa, o curso tinha finalizado há pouco tempo e ela estava se programando para voltar a Brasília.

“Eu tinha terminado os estudos, estava havia dois anos lá, mas ainda faltava pegar meus certificados. De uma hora para outra, fecharam tudo e tive de sair correndo para conseguir isso. Foi desesperador”, conta.

Não só as aulas, mas tudo ficou fechado. Apenas farmácias e supermercados continuaram funcionando. “Colocaram os militares na rua controlando a circulação de pessoas. Se você está fora de casa sem motivo, é multado”, explica.

No dia 16/03, ela conseguiu sair da Espanha com destino a Portugal, em um avião com apenas 17 pessoas, antes de embarcar até o Brasil. Chegou por aqui no dia 17 e, imediatamente, optou pelo isolamento. “Tenho amigos de amigos que estão com sintomas. Estou seguindo orientações tanto das autoridades espanholas como das brasileiras nesse caso”, diz.

Os próximos dias dela, portanto, serão dentro de casa. Como acabou de terminar os estudos na Espanha, ela ainda não sabe como será o futuro com relação a trabalho, por exemplo.

Por isso, pretende tirar as duas semanas em que ficará isolada se capacitando ainda mais. “O negócio é ocupar a cabeça, fazer atividades diversas, criar uma rotina. Hoje em dia é possível trabalhar, estudar, se exercitar e ‘socializar’ desde casa. Dos males o menor, podemos estar 24h conectados ao mundo com a internet”, opina.

“É duro, dói no fundo do coração não poder ver quem a gente ama, mas é uma responsabilidade social, de todos. É hora de ser solidário. Eu estou confinada não só por mim e pela minha família. Estou confinada por todos nós”, disse Sílvia.

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Para a dentista Ana Cláudia Marques Lessa, 52, a viagem de 13 dias com o marido para Nova York acabou se transformando em quarentena após a chegada, no dia 16. “A gente tem que pensar nos outros. Desmarquei todos os meus clientes no consultório para as próximas duas semanas e dei férias para as assistentes”, conta.

Em casa, ela diz que deve demorar a se acostumar com um ritmo menos intenso de rotina, mas não há outra opção que não seja se isolar. “Eu sou uma pessoa muito ativa, vai ser terrível. Vou fazer uma faxina bem funda no armário, ler aqueles livros que a gente diz que nunca tem tempo, né? E estudar também”, relata.

Ana, no entanto, se diz preocupada com os efeitos que a onda do novo coronavírus pode causar ao negócio dela caso o número de ocorrências dispare no Brasil. “É um tratamento não emergencial, mas eu dependo do consultório. Fico muito preocupada, pois se as pessoas começarem a desmarcar, não vou ter o que fazer. Acho que tenho reserva para uns dois meses, mas se passar disso, não sei como seguir”, projeta.

Por esse motivo, ela espera que todas as medidas de fechamento de locais com grande circulação de pessoas surta efeito, e outros possíveis contaminados tenham a consciência de também ficarem em casa. “Saindo dos Estados Unidos e chegando ao Brasil, dá para ver que muita gente não está levando o problema a sério. O metrô em Nova York que a gente pegou, que fica lotado, tinha, além de mim e meu marido, uma pessoa só”, comenta.

Com qualquer sintoma, é melhor ficar em casa

Apesar de não ter viajado para lugar algum nos últimos meses, a jornalista Beth Nardelli, 66, está com sintomas que indicam uma possível contaminação pelo novo coronavírus. Com muita dor de cabeça, febre, dor de garganta e tosse, ela preferiu ficar em casa. “Desde a última sexta que estou de quarentena. Cheguei a ir na minha médica para saber se era sinusite, mas ela não viu nada. Meu irmão, que também é médico, me analisou e disse que era uma gripe forte”, conta.

Ciente de que a gripe pode ser a nova doença, ela optou por ficar no quarto do apartamento onde mora, sem contato com mais ninguém, uma vez que tem netos pequenos e a mãe está com 96 anos. “Meu marido que cozinha para mim, o que já ajuda bastante. Tenho claustrofobia, então dá uma sensação de angústia ficar fechada assim, mas achei melhor ouvir minha consciência cidadã”, relata.

Ainda sem ter conseguido fazer o teste para confirmar que está com coronavírus, ela diz que tem tentado se fortalecer mentalmente para aguentar todos os dias dentro do quarto. “Nunca fiz meditação e agora me vi assistindo a um programa sobre isso e fazendo junto”, conta.

Além da meditação, Beth tem feito trabalho remoto para o órgão do governo em que trabalha e acha que foi lá que pegou a doença. “Uma colega de trabalho testou positivo. Ela foi palestrante em evento internacional, aqui mesmo em Brasília”, comenta.

Especialistas dão dicas de como passar pela quarentena

O clínico-geral Alfredo Salim, do Sirio-Libanês de São Paulo, um dos responsáveis por orientar as pessoas sobre a contaminação pelo coronavírus, explica que qualquer um que chegar de país com alto número de casos deve seguir o exemplo dos personagens citados nesta matéria. “Sempre vou usar o período de 14 dias como sendo o ideal. A pessoa chega de um lugar onde pode ter pegado e tem que se isolar, ficar em um quarto com banheiro próprio”, explica.

Segundo ele, durante a quarentena, o possível infectado precisa ficar bem alerta a possíveis sintomas da doença Covid-19. “Se passou o tempo e não sentiu nada, teoricamente essa pessoa não trouxe o vírus com ela”, afirma.

Os cuidados se estendem também a pessoas que estão na mesma casa onde o isolamento acontece. “Ficar, no mínimo, a dois metros de distância. Se for levar comida, ou algo do tipo, lavar o copo, talher, e sempre lavar muito bem as mãos depois”, aconselha.

Para o médico, pessoas que estão na chamada “população de risco”, como diabéticos, hipertensos ou idosos, também deveriam optar pelo isolamento. “Se você sai na rua e vai abrir e fechar uma porta, chamar o elevador, é ali que que está o vírus”, conta.

Mas como ficar 14 dias sem sair do próprio quarto e não se sentir deprimido ou cansado? Para a psicóloga Danuska Tokarski, é importante buscar se manter em atividade de alguma forma. “Fazer um curso, ler um livro e até mesmo atividades físicas, como temos visto muitas pessoas postando exercícios possíveis de fazer em qualquer lugar”, lembra.

A rotina também é importante, principalmente para manter um sono equilibrado. “A insônia pode desencadear depressão e ansiedade, pois a pessoa sente que precisa dormir, mas não consegue. Muitas vezes, a pessoa ociosa acaba tirando um cochilo à tarde. Nesses casos, é melhor guardar o sono mesmo para a noite”, aconselha.

Adaptações: Alexandre Torres

Guará News