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Retrospectiva 2020: resistência e adaptação mobilizaram produtores culturais e artistas no DF

Por Carolina Cruz, G1 DF

 


Artistas fazem performance em Ceilândia, no DF, para chamar atenção sobre grupos mais vulneráveis durante pandemia — Foto: Yan Mariano

Artistas fazem performance em Ceilândia, no DF, para chamar atenção sobre grupos mais vulneráveis durante pandemia — Foto: Yan Mariano

O ano em que Brasília completou o 60º aniversário começou carregado de projetos para valorizar a cultura local. Os versos de escritores e compositores, os traços de designers e as histórias contadas nos palcos e telas de cinema tinham datas marcadas em espaços culturais e ocupações.

No entanto, a pandemia da Covid-19 adiou os planos de milhares de produtores e artistas. O que seria um ano de comemorações se transformou em um desafio para manter projetos que, além de entreter, geram trabalho, renda e inclusão.

Mas quem vive da arte – e acredita nela – se uniu para criar alternativas e cobrar providências para a distribuição de recursos ao setor.

Primeiro, a plateia passou a ser virtual. Em seguida, o público conheceu um “novo presencial”, onde o distanciamento é a regra e, apesar das dificuldades, a resistência não deixou a cultura parar.

Veja os principais acontecimentos da cultura no DF em 2020

 

  • Carnaval

 

Festa plural nos ritmos e estilos, no carnaval, reúne foliões em Brasília em 2020 — Foto: Lucio Bernardo Jr/Agência Brasília

Festa plural nos ritmos e estilos, no carnaval, reúne foliões em Brasília em 2020 — Foto: Lucio Bernardo Jr/Agência Brasília

A falta de recursos também atingiu alguns blocos carnavalescos. Faltando pouco mais de um mês para a festa, pelo menos 59 organizadores não tinham verba garantida. No final de janeiro, 180 blocos foram cadastrados.

Por outro lado, o GDF prometia uma grande festa de carnava na Esplanada dos Ministérios entre 21 e 25 de fevereiro. Foram anunciados shows de Elba Ramalho, Preta Gil, Psirico e Nação Zumbi, entre outros.

No entanto, faltando duas semanas para acontecer, o evento foi cancelado. Segundo o GDF, “por questão de segurança e economia de recursos”.

O secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues, em coletiva de imprensa sobre o carnaval de 2020 — Foto: Luiza Garonce/G1

O secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues, em coletiva de imprensa sobre o carnaval de 2020 — Foto: Luiza Garonce/G1

A verba pública para o carnaval também esteve no centro de uma polêmica envolvendo o governo do Distrito Federal e a escola carioca Unidos de Vila Isabel. A agremiação entrou na avenida com um enredo de homenagem aos 60 anos de Brasília.

Um termo de cooperação previa que o GDF ajudaria na captação de recursos. No entanto, a escola afirmou que não recebeu qualquer suporte financeiro.

  • Pandemia paralisou eventos

 

Menos de um mês depois do carnaval – que ocorreu em 25 de fevereiro – quando o público ainda curtia o pós-folia, a pandemia da Covid-19 fechou todos os espaços culturais de Brasília, ao mesmo tempo.

A suspensão de eventos e o fechamento de bares, restaurantes, museus, teatros e cinemas foi anunciada em 19 de março. Os projetos previstos foram sendo desmarcados, um a um.

Aglomeração virou sinônimo de risco. A comemoração do aniversário de 60 anos de Brasília, em 21 de abril, que mobilizaria a cidade, foi um dos eventos cancelados.

24 de março - Museu Nacional da República, em Brasília — Foto: G1/Carolina Cruz

24 de março – Museu Nacional da República, em Brasília — Foto: G1/Carolina Cruz

Nas periferias, eventos que contavam com a contratação de cerca de 300 pessoas, principalmente moradores locais, foram desmarcados. Coletivos independentes tentaram manter parte das atividades socioculturais e apresentações por meio de lives, por vezes, com o dinheiro do próprio bolso, e sem lucro, para continuar dando palco aos artistas independentes.

Joanna Alves,  Prethaís, NegraEve, Ester Cruz e Jéssica Alves, organizadoras do Pretacei — Foto: Arquivo pessoal

Joanna Alves, Prethaís, NegraEve, Ester Cruz e Jéssica Alves, organizadoras do Pretacei — Foto: Arquivo pessoal

Sem interromper os trabalhos sociais, complexos culturais de regiões como Samambaia e Planaltina adaptaram programações para a internet.

Mas a cidade vazia também serviu para melhorias. O projeto Jovem de Expressão, em Ceilândia, formalizou a “adoção” da Praça do Cidadão, onde desenvolve atividades, para revitalizar o espaço.

Praça do Cidadão, em Ceilândia, no Distrito Federal será revitalizada pela Rede Urbana de Ações Socioculturais (Ruas)  — Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

Praça do Cidadão, em Ceilândia, no Distrito Federal será revitalizada pela Rede Urbana de Ações Socioculturais (Ruas) — Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

  • Flexibilizações e adaptação

 

Em junho, o governador Ibaneis Rocha (MDB) autorizou a volta de shows, espetáculos de teatro e sessões de cinema em estacionamentos ao ar livre. A era drive-in recomeçava, abrindo as portas para apresentações com a plateia dentro dos carros.

Enquanto o tradicional Cine-Drive-in no autódromo de Brasília, o primeiro da América Latina, atravessou anos sendo o único na capital, após a pandemia, o modelo de cinema ao ar livre tomou conta de diversos estacionamentos, shoppings, quadras residenciais. Até o Aeroporto JK entrou na onda.

Imagem ilustrativa de divulgação de cinema drive-in no aeroporto de Brasília ganha 'Festival Drive-in'  — Foto: Aeroporto Internacional de Brasília/Divulgação

Imagem ilustrativa de divulgação de cinema drive-in no aeroporto de Brasília ganha ‘Festival Drive-in’ — Foto: Aeroporto Internacional de Brasília/Divulgação

Estádio Nacional Mané Garrincha se tornou uma grande arena de shows drive-in. Bandas e companhias de teatro se apresentaram ao vivo para a plateia que ocupava os carros no estacionamento.

Ainda em junho, morador do DF também descobriu que a festa junina em 2020 também seria diferente. Bandas e dançarinos percorreram as ruas em trios elétricos, e as comidas típicas foram entregues em delivery.

No Dia de São João, teve até homenagem adaptada pela pandemia. Um grupo de dançarinos de Samambaia, se apresentou na rua do pioneiro das festas juninas da capital, Nelson Torres, de 76 anos.

O objetivo foi agradecer a colaboração dele para as quadrilhas juninas da capital, proporcionando uma apresentação ao vivo, que ele pudesse assistir do portão de casa.

Grupo de quadrilha junino Pau Melado de Samambaia, no DF  — Foto: Hamilton Teixeira/Arquivo Pessoal

Grupo de quadrilha junino Pau Melado de Samambaia, no DF — Foto: Hamilton Teixeira/Arquivo Pessoal

A animação e a realidade virtual ganharam protagonismo nos projetos que precisaram ser adaptados para o ambiente virtual. O Museu do Catetinho, por exemplo, foi recriado em maquete 3D, com exposição em homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer.

Exibições de arte, teatro e música ocorreram por meio de lives, alcançando um público para além da capital: qualquer um que estivesse conectado, em qualquer parte do mundo.

Reprodução da maquete 3D, produzida em realidade virtual para exposição Pensando Oscarmente — Foto: Divulgação

Reprodução da maquete 3D, produzida em realidade virtual para exposição Pensando Oscarmente — Foto: Divulgação

Aos poucos, a capital ganhava mais flexibilizações. Em 3 de julho, um decreto autorizou a reabertura de teatros e cinemas em ambientes fechados, desde que o distanciamento entre as pessoas fosse mantido, com fileiras de cadeiras intercaladas.

No entanto, algumas empresas preferiam manter os espaços fechados. A reabertura dos cinemas e teatros passou a ser mais comum após mais flexibilizações nos assentos, que não precisavam mais ser alternados, a partir de outubro.

No dia 14 de julho, shows ao vivo foram liberados em bares e restaurantes. O lazer na capital começava a voltar aos tempos anteriores ao novo coronavírus – mas com adaptações.

Nos palcos, música ao vivo e pessoas ao ar livre, fora dos automóveis. No Parque da Cidade, houve até a alternativa de colocar a plateia no lago, em pedalinhos, revitalizando o espaço que estava desativado.

Projeto arquitetônico para festival Flutua, no Parque da Cidade, em Brasília  — Foto: Divulgação

Projeto arquitetônico para festival Flutua, no Parque da Cidade, em Brasília — Foto: Divulgação

  • Festival de Cinema

 

Enquanto a cena cultural se movimentava para adaptar os projetos, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em sua 53ª edição, quase não saiu.

No dia 6 de junho, quando os formatos drive-in e live entretinham o público de cinema, o secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, anunciou que o festival, previsto para outubro, estava cancelado.

“Infelizmente, o orçamento que estava previsto, não está mais. A gente tem que encarar essa realidade”, disse Bartolomeu, à época.

A medida, no entanto, durou menos de 24 horas. No dia 7 de junho, o secretário recuou. “Vai ser presencial e pelas plataformas de streaming, que vai ser o grande diferencial”, anunciou.

O festival ocorreu, mas não da forma anunciada. As exibições ocorreram apenas pela televisão e serviços de streaming, sem qualquer atividade presencial, e a mostra começou em dezembro, não em outubro, como inicialmente previsto.

Durante as atividades, o festival sofreu um ataque hacker, com a invasão no sistema de imagens de teor pornográfico, racista e homofóbico, durante um painel que reunia cineastas mulheres, que falavam do cinema político, visto pelo olhar feminino O painel foi interrompido e retomado em uma sala com acesso restrito.

Diferentemente dos outros anos, os 30 filmes selecionados já entraram para a mostra premiados. Ao todo, foram distribuídos R$ 400 mil.

A premiação ocorreu em uma transmissão online no canal no Youtube criado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), em 21 de dezembro.

Anúncio de vencedores do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ocorreu por meio de transmissão de videochamada coletiva — Foto: Reprodução/Youtube

Anúncio de vencedores do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ocorreu por meio de transmissão de videochamada coletiva — Foto: Reprodução/Youtube

As produções brasilienses não dependeram apenas dos eventos locais para ter visibilidade. Em setembro, o Foguetinho do Parque da Cidade – como é conhecido o brinquedo do Parque Ana Lídia – protagonizou um curta-metragem selecionado para representar o Brasil em festivais internacionais de cinema em Nova Iorque e Los Angeles, nos Estados Unidos.

Outro destaque foi o filme brasiliense “Filhas de Lavadeiras”, que conquistou o júri da 25ª edição do Festival É Tudo Verdade – um dos eventos mais importantes para o cinema documental da América Latina. A produção deu à professora do Instituto Federal de Brasília (IFB) e cineasta Edileuza Penha de Souza, o prêmio de melhor curta-documentário.

Cena do filme "Foguete", de Pedro Henrique Chaves — Foto: Divulgação

Cena do filme “Foguete”, de Pedro Henrique Chaves — Foto: Divulgação

  • Protestos

 

A gestão da Cultura no DF foi alvo de críticas dos produtores e artistas, que pediam a distribuição de recursos. Em meio às cobranças, a Secec lançou, em julho, editais com verba do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC) com critérios de seleção de beneficiados que favoreciam grupos mais vulneráveis aos impactos da pandemia.

Artistas e produtores culturais protestam pela distribuição de recursos da Lei Aldir Blanc no DF — Foto: Carolina Cruz/G1

Artistas e produtores culturais protestam pela distribuição de recursos da Lei Aldir Blanc no DF — Foto: Carolina Cruz/G1

No entanto, um dos auxílios mais esperados neste ano, o proveniente da Lei Aldir Blanc, foi executado com atrasos e impasses no DF. A norma federal garantiu cinco repasses mensais de R$ 600 aos trabalhadores afetados pela pandemia, que não foram beneficiados pelo auxílio emergencial do governo federal (valor passa para R$ 1,2 mil no caso de mãe e provedora do lar). Além de outros subsídios para micro e pequenas empresas.

A Lei Aldir Blanc contava com cerca de R$ 37 milhões da União, encaminhados pelo governo federal aos cofres do GDF em setembro. No entanto, o uso da verba dependia da incorporação do valor no orçamento da Secec, o que só ocorreu na última semana de novembro, quase dois meses depois. Com isso, a distribuição dos recursos sofreu atrasos e provocou mais protestos.

Artistas e produtores culturais protestam pela distribuição de recursos da Lei Aldir Blanc no DF — Foto: Arquivo pessoal

Artistas e produtores culturais protestam pela distribuição de recursos da Lei Aldir Blanc no DF — Foto: Arquivo pessoal

  • Réveillon

 

Na reta final de 2020, no dia 1º de dezembro, os registros de novos infectados pela Covid-19 na capital voltaram a crescer. O cenário fez o governador Ibaneis restringir o funcionamento dos bares e restaurantes, com fechamento obrigatório às 23h.

Antes disso, os estabelecimentos podiam funcionar de acordo com o que estava autorizado em alvará. O governo apenas liberou o funcionamento ampliado nos dias de Natal e Ano Novo para os estabelecimentos e espaços de eventos culturais.

Mas as tradicionais viradas com aglomeração, shows ao vivo e fogos, expressões artísticas e religiosas em diversas regiões do DF, não poderão ocorrer. O ano chega ao fim com o cancelamento das festas públicasde Réveillon e também do Carnaval 2021.

Adaptações: Alexandre Torres

Guará News